Este mês o blog História do Basquete Masculino publicará uma série de três entrevistas realizadas no passado pelo jornalista especializado em basquete Fábio Balassiano, que assina o blog Bala na Cesta, no UOL. São entrevistas antigas, mas que valem ser relembradas pelo registro e importância históricos, e também pela contribuição que dão para quem quer pensar no desenvolvimento do esporte. A primeira entrevista da série foi feita no Ginásio Hélio Maurício, do Flamengo, na Gávea, no Rio de Janeiro, e publicada em 31 de outubro de 2013, com Tom Thibodeau, técnico do Chicago Bulls. A segunda entrevista também foi feita no ginásio do Flamengo, publicada em 14 de outubro de 2014, com Pat Riley, CEO do Miami Heat. A terceira entrevista da série foi publicada em 15 de outubro de 2014, com David Blatt, o técnico, na minha opinião, com curriculum mais interessante na história do basquete mundial. Campeão no basquete europeu com times da Itália e de Israel, um norte-americano que foi técnico da Seleção da Rússia, e que depois de vencer na Europa, chegou à NBA para ser o treinador de LeBron James. A entrevista foi feita no momento em que Blatt estava chegando à NBA, recém tendo assumido o Cleveland Cavaliers.
Segue a integra do que foi publicado pelo Bala na Cesta:
Com 55 anos, nada deveria assustar David Blatt. Brilhando na Europa há mais de duas décadas como técnico na Itália, Israel e Rússia, ele é dono não só de um dos currículos mais vitoriosos do basquete, mas também de uma filosofia inconfundível que mistura defesa agressiva com um ataque bem fluído. Foi com esse sistema que ele liderou o Maccabi Tel-Aviv, de Israel, ao surpreendente título da Euroliga de 2014. Mas uma proposta do Cleveland, da NBA, deu uma sacudida na vida deste norte-americano de Boston. Blatt foi chamado para treinar o Cavs, fez as entrevistas e passou. Duas semanas depois, LeBron James anunciou que voltaria a franquia de Ohio. Conversei com ele sobre sua carreira, a transição Europa-NBA e muito mais. Confira o papo que Luis Araujo e eu tivemos com ele!
BALA NA CESTA: Quais são as suas expectativas para a próxima temporada? Já deu para pensar muito no que virá no campeonato?
DAVID BLATT: Antes de falar sobre a NBA, quero dizer que estou muito feliz de estar no Brasil, um país adorável. Sobre o nosso time, estamos nos preparando há mais ou menos duas semanas. É a metade do caminho até a temporada e estamos indo muito bem. Os caras estão trabalhando muito duro, e isso é ótimo. Sobre a NBA, só posso dizer que é um ótimo lugar para estar, um lugar maravilhoso para trabalhar.
BNC: Chegou a ver ou ler algum preconceito contra a sua chegada ao Cleveland, já que você nunca havia treinado na NBA?
DAVID BLATT: Olha, eu não gosto de ler muito o que sai sobre mim na imprensa, mas sobre isso aí que você fala eu vi sim. Na minha carreira inteira eu fui a lugares e clubes que nunca tinha ido. É algo que já estou acostumado a lidar, sinceramente falando. Sempre ouvi isso no começo, nunca dei a menor bola. Fiz questão de ler para servir como motivação pessoal para mim.
BNC: Você ganhou a Euroliga com o Maccabi na temporada passada e aí foi chamado para treinar o Cleveland, na NBA. Como foi esse processo todo de contratação, com entrevistas, essas coisas?
DAVID BLATT: Olha, é importante dizer que o fato de meu nome ter sido considerado para Cleveland não foi apenas porque eu ganhei a última Euroliga com o Maccabi Tel-Aviv, mas sim pelo meu trabalho de décadas na Europa e nas mais diferentes situações. Tive sorte de ter sucesso na maioria destas situações e acabei me credenciando para o cargo. O processo foi muito sério e profissional, e fico feliz de meu nome ter se encaixado nas perspectivas que eles tinham para o cargo.
BNC: Fazer essa migração da Europa para a NBA foi mais ou menos difícil do que você imaginava?
DAVID BLATT: Para mim basquete é basquete. Isso não muda muito, seja na Europa ou na NBA. A adaptação mais difícil mesmo é a geográfica (risos).
BNC: Tem uma coisa interessante. Quando você foi contratado, LeBron James ainda não havia anunciado onde jogaria a próxima temporada. Qual foi a sua reação quando LeBron anunciou que iria para o Cavs? Imagino que dirigir um time com ele e outro sem seja bem diferente…
DAVID BLATT: (Risos) A melhor palavra que eu posso te responder sobre isso é: maravilhado. Fiquei extremamente feliz e também um sortudo por conseguir dirigir provavelmente o melhor jogador do planeta.
BNC: Quando LeBron perdeu as finais da temporada passada contra o Miami ele disse que o San Antonio Spurs jogava um basquete “europeu”, com muita inteligência, troca de passes, essas coisas. É este tipo de mentalidade que você está tentando trazer para Cleveland?
DAVID BLATT: Olha, sim, mas não exatamente pela razão dita por você (a derrota do Heat para o Spurs). Temos muitos jogadores inteligentes no elenco, e acho que por isso podemos jogar de forma parecida com a que eu vinha jogando na Europa nos últimos anos.
BNC: Neste tempo em que você está no Cleveland já conseguiu perceber alguma grande diferença entre o basquete europeu e o da NBA? Houve alguma situação engraçada que você consiga lembrar?
DAVID BLATT: Olha, basicamente eu consigo te dizer que na Europa o jogador não só depende como também procura mais o sistema. O atleta se sente mais confortável e seguro atuando dentro de uma estratégia pré-definida, sem muito espaço para improviso e consequentemente com menos chance de errar. A cultura do americano já é diferente. O erro é aceito, o improviso é valorizado e o potencial físico é assustador. Por isso as individualidades se sobressaem mais. Como eu faço para prender um jogador como LeBron James? Não posso fazer isso, seria pouco inteligente de minha parte. Na NBA o jogador sabe que precisa do sistema, mas caso ele (o sistema) não esteja ajudando ele consegue resolver com seu talento e seu físico em algumas ocasiões. Houve um caso disso que estou falando. Em um dos treinos LeBron cortou seu marcador, passou por outro e deu uma enterrada. Aquilo para mim foi meio chocante, porque era uma situação difícil e ele fez com uma naturalidade impressionante. Perguntei o porquê de ele ter driblado, queria entender sua atitude. A resposta dele foi: “Eu faço isso desde sempre, Coach”. Todos riram. Foi engraçado. É a maneira como o basquete lhe foi ensinado e se ele é o melhor jogador do mundo jogando assim eu não serei maluco de mexer no seu jogo absurdamente. Tentarei ajudar a todos os jogadores do Cleveland com os métodos, mas conhecimento do jogo eles já têm.
BNC: Você foi aluno de Princeton, uma universidade lendária e conhecida nos EUA pelo seu sistema ofensivo que prevê muitos passes e deslocamentos, o Princeton Offense. É essa estratégia que você usará no ataque do Cavs?
DAVID BLATT: Não exatamente o Princeton Offense como um todo, mas elementos dele. Tento me concentrar apenas no que precisamos fazer para termos tanto um ataque quanto uma defesa seguros.
BNC: Na última semana Shawn Marion disse que uma das coisas que você tem passado a eles é da necessidade de se pensar um pouco mais antes de tomar as decisões…
DAVID BLATT: Sim, é por aí mesmo. Tenho tentado trazer um pouco das minhas ideias, do meu próprio sistema, mas minha grande vantagem é que tenho a sorte de poder dirigir grandes jogadores, que poderão desempenhar os mais variados papéis.
BNC: Existe algum segredo para ter uma carreira tão boa quanto a sua? Algo que você poderia passar?
DAVID BLATT: Para ser bom técnico de basquete? Sim, o básico. Estudar ao máximo. E todo o possível. Para ensinar bem, é preciso conhecer a matéria. Depois disso, digo que é fundamental desenvolver a sua própria filosofia, seu próprio estilo. Ficar copiando os outros não é legal. Ser um bom líder é essencial também. E por fim, não esquecer o lado humano ao comandar pessoas com personalidades e formações tão diferentes.
BNC: Você está treinando com o Cleveland no Flamengo, que venceu o Maccabi Tel-Aviv, time que você treinava até a temporada passada, no Mundial de Clubes recentemente. Você viu o jogo?
DAVID BLATT: Sim, eu vi os dois jogos. Principalmente no segundo jogo o Flamengo jogou muito bem, fez uma partida maravilhosa. O Maccabi, por sua vez, não é o mesmo time da temporada passada, com muitas mudanças e ainda esperando um ou dois jogadores entrarem no elenco. No final das contas, o Flamengo mereceu vencer, jogou muitíssimo bem. É preciso dar o crédito ao clube por isso.
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