.

domingo, 22 de março de 2015

Alberto Bial e a missão de desenvolver o basquete pelo Brasil

Em homenagem ao título conquistado pelo Basquete Cearense na Liga de Desenvolvimento do Basquete (LDB), publico a integra da entrevista dada em 21 de janeiro de 2015 ao jornalista especializado em basquete Fábio Balassiano e publicada em seu blog Bala na Cesta, no UOL. Abaixo a integra:

Aos 62 anos, Alberto Bial é casado com Leila, pai de Melina e Marcela, avô de Alice (5 anos) e dono de uma das mais ricas histórias do basquete brasileiro. Formado como atleta nas categorias de base do Fluminense, dirigiu Botafogo, Liga Angrense, Vasco, o próprio tricolor das Laranjeiras, seu time do coração, Goiânia, Joinville e está no Basquete Cearense, único representante do Nordeste no NBB, há três temporadas. Saiba mais da história e do que pensa Alberto Bial no papo abaixo.


BALA NA CESTA: Pouca gente sabe, mas você não é carioca…
ALBERTO BIAL: Verdade. Nasci em São Paulo. Nasci em uma coxia de teatro praticamente. Meu pai era contrarregra do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), da Cacilda Becker. Minha mãe fazia figurino, mas era um período complicado. Meu pai e minha mãe são imigrantes alemães que fugiram da Segunda Guerra Mundial e se encontraram no Brasil. Conheceram-se em São Paulo e foi lá que eu nasci. Meu pai não conseguia emprego e aí sim viemos para o Rio de Janeiro. Minha família não era do esporte, sabia? Eu fiz uma inclusão distinta, diferente e que acabou dando muito certo. Por ser muito magro eles me colocaram no Fluminense, perto de onde morávamos, para nadar. E aí a transformação aconteceu. Ele era um viciado em corrida de cavalos e quando comecei a nadar ele passou a me acompanhar no clube, viver o dia a dia do clube. Acho que a partir dali a família inteira passou a gostar de esporte – e também do Fluminense, claro.

Por uma dessas sortes da vida um dos meus melhores amigos da natação era amigo do Pinheiro, do Jair Marinho, do Zezé Moreira, ícones do futebol do Fluminense na época. Eu virei o “Pirão”, meu apelido, e eles passaram e me levar para todos os lugares. O Pinheiro, já técnico no América anos depois, tentou me levar para fazer um teste lá mas eu fui um desastre. Ficava impedido toda hora, ficava com vergonha. Lembro de um dia na casa deste meu amigo e estavam Pinheiro, Zezé, o Castilho, lendário goleiro do Fluminense e meu maior ídolo, Telê Santana e muito mais. Eles me adotaram e meu pai começou a ir comigo a todos os jogos do Fluminense, do juvenil ao profissional com os aspirantes no meio disso. Ou seja, a gente passava o dia inteiro no clube e vendo as partidas com aquelas feras. Foi uma iniciação esportiva e tanto.

BNC: E sua história no basquete, começou como?
ALBERTO BIAL: A primeira equipe adulta que eu dirigi foi em 1983. Minha vida no basquete começou 20 anos antes quando meu pai me levou para ver a final do Mundial masculino no Rio de Janeiro de 1963. Tinha 11 anos, cara. O Brasil venceu os Estados Unidos e eu fiquei maluco quando vi o Amaury Pasos jogar. Ele sempre foi uma grande referência técnica para mim. Foi a primeira vez que pisei no Maracanazinho, ele estava lotado e vi o Brasil ser campeão mundial. Já nadava pelo Fluminense, queria ver outras coisas, me levaram para uma quadra de basquete e ali começou tudo.

BNC: Você lembra como foi seu primeiro jogo de basquete?
ALBERTO BIAL: Claro que lembro. Foi um Fla-Flu infanto-juvenil. Foi um Fla-Flu, rapaz, veja só. Isso eu tinha 12 anos, era um brigador, insistiram comigo. Aos 13 comecei a jogar todas as categorias pelo Fluminense. E ganhava tudo. Não porque eu era bom, não, mas porque no nosso time estava simplesmente o Marquinhos. Marcos Abdalla Leite é um dos maiores jogadores do basquete brasileiro e jogava conosco. Dos 14 aos 24 anos eu ganhei todos os campeonatos que disputei pelo Fluminense. Foi uma coisa impressionante. Do infanto, passando pelo juvenil e chegando ao primeiro ano de adulto nós ganhamos tudo, você consegue imaginar isso? Aí o Marquinhos foi embora para São Paulo, chegaram outros caras (Sergio Macarrão, Peixotinho etc.) e continuamos com time bom. Tanto é assim que fomos pentacampeões cariocas direto (de 1970 a 1974), uma coisa incrível. Da base até aquele momento eu não sabia o que era perder. Era muito louco. Aí em 1974 o Francisco Horta, presidente do clube, acabou com o basquete do Fluminense e eu fui parar em que time? No Flamengo. E fui campeão logo de cara. Ganhamos o campeonato carioca em 1975. No ano seguinte perdi o campeonato para o Vasco e aí sim comecei a entender o que de fato era o esporte. A essência daquilo tudo, exaltar os vencedores, entender o lado da derrota. Foi há exatos 30 anos e um grande aprendizado para mim. Achei que era imbatível, predestinado, essas coisas.

BNC: E nessa época você já era técnico, certo?
ALBERTO BIAL: Sim. Entrei para a Faculdade de Educação Física em 1970 porque fiz uma redação bonita e era um cavalo de forte. Sempre fui um péssimo aluno, mas passei em primeiro lugar no vestibular. Ninguém queria cursar Educação Física, Bala. Tinha 18 anos e naquela época era coisa de malandro. Ainda estudando o Fluminense montou uma categoria de Mini-Basquete e acabei me sobressaindo. Logo em seguida houve um Mundialito de Mini-Basquete na Espanha em 1971, eu fui o técnico e em 1972 a mesma coisa. Era uma espécie de Festival de Basquete com uma turminha de garotos de 80, 90 países. Então eu treinava um cara do Congo, um Etíope, um Suíço, era uma mescla bacana e eu só não podia treinar brasileiro. Foi um aprendizado incrível. E eu tinha 18 anos, veja só. E sabe quem foi comigo? O Beegu, o Marcos Mendes, que jogou no Flamengo e hoje é um dos maiores especialistas em Sistema de Triângulos no Brasil. Ali não parei mais. Quando fui para o Flamengo em 1974 eu botei uma banca: “Só vou se me derem um time das categorias de base para treinar”. E toparam. Depois fui para o Municipal, melhor trabalho de base que fiz com certeza, Mackenzie e aí voltei para o Flamengo. Rapaz, aí teve uma história engraçada. Um Sheik árabe veio contratar um técnico de futebol no Flamengo e me viu na quadra de basquete. O Djalma Cavalcante, este técnico do futebol, falou para o Sheik: “Não quer levar o de basquete também?”. E aí o Sheik se interessou, me levou para montar um time de basquete. Ainda joguei um Flamengo x Botafogo, arrebentei e fui para os Emirados Árabes Unidos. Isso foi em 1983. Fiquei três anos de treinador lá, uma experiência sublime.

BNC: Ali você de fato começou sua carreira de técnico então…
ALBERTO BIAL: Sim. E vou te contar a história toda. Terminou lá em 1986 e não arrumava mais mercado. As pessoas me perguntavam se eu queria jogar e tal, mas meu negócio já era ser técnico. Aí o Botafogo me chamou. Vesti a camisa do Botafogo na alma mesmo. Não tinha dinheiro, mas tinha uma molecada boa. Fiquei lá por cinco anos e em 1991 o Emil Pinheiro, presidente que tinha ajudado o Botafogo a ganhar o Estadual de futebol em 1989 depois de anos na fila, me chamou e perguntou: “O que precisamos fazer para ser campeões estaduais?”. E eu respondi: “Me traz dois americanos que a gente ganha isso”. Os outros times eram bons, o Flamengo era um timaço e eu recebi os americanos. Adivinha? Ganhamos a final do Flamengo de 2-0. Foi um período maravilhoso. Lembro até hoje do dia. Foi no dia 20 de dezembro de 1991 e o Maracanazinho estava lotado. Depois disso o Botafogo nunca mais ganhou no basquete, você acredita? Meu primeiro título carioca como técnico adulto foi justamente no palco que eu pisei pela primeira vez para ver uma partida. Aí fiquei uns três anos em Angra, fomos campeões em 1993, mas era tudo muito familiar, pouco profissional ainda.

BNC: Aí eu me lembro bem pois foi quando comecei a acompanhar. Você voltou ao Fluminense…
ALBERTO BIAL: Exato. Foi em 1995, 1996 que me chamaram de novo para o Fluminense. Comecei o trabalho, estruturei tudo, montei o time. Fiquei um pouco lá e o Vasco, que tinha acabado de retomar suas atividades depois de quatro anos parado, me chamou para tocar o projeto. O diretor era o Fernando Lima. Achei sensacional um clube que eu nunca tinha representado me chamar para ser o técnico do adulto. E aí eu fui e logo em 1997 fomos campeões estaduais em cima do Flamengo em uma final que vencemos por 3-2. Fomos campeões Sul-Americanos naquele ano, chegamos na final contra o Flamengo, perdemos de 3-2 e fui mandado embora na véspera do Natal de 1998. Aquele momento me machucou, cara. Em um ano eu estava pintando como grande técnico, a gente viaja nessas coisas, e no ano seguinte eu estava sendo demitido depois de perder uma final. Foi meio duro, mas quem abriu as portas para mim de novo? O Fluminense. Em 1999 eu voltei ao clube.

BNC: Foi nessa época que você montou um bom time lá, né?
ALBERTO BIAL: Pô, cara, eu lembro que você colocou no seu Facebook a escalação toda daquele time e eu fiquei todo arrepiado. Foi o time que eu mais gostei de dirigir, você sabia? Eu botava Espiga (foto à direita), hoje meu assistente-técnico, e Alberto na armação, Brent na ala, Mike Higgins e Gema perto da cesta. Foi um trabalho legal, né?

BNC: Foi com esse time aí que eu passei a ir no ginásio, Bial. Se quiser eu escalo os 12 aqui direto…
ALBERTO BIAL: (Risos) E, olha, eu adorava aquele time. Poderíamos ter sido campeões, poderíamos ter chegado mais longe. Perdemos um playoff de Estadual para o Botafogo na terceira prorrogação, uma loucura. Estava tudo lindo, trouxemos muita gente, o time estava pronto para ser campeão mas faltou dinheiro. Lembro bem de um jogo que ganhamos já com o Marcelinho Machado no nosso time. Foi a estreia do Nacional de 2002 contra o Uberlândia…

BNC: A estreia do Nacional daquele ano. A Band transmitiu. Era um domingo ao meio-dia, um calor dos infernos…
ALBERTO BIAL: (Risos) Você lembra disso como? Era isso mesmo. Uberlândia tinha um timaço, eu lembro que estavam lá Valtinho, Vargas, Márcio, Cambraia, só fera. O jogo foi transmitido pela Band, o narrador era o Sílvio Luiz, o hino nacional cantado pelo Alexandre Pires, um cenário insano mesmo. Fizemos um último período extraordinário (24-15) e vencemos os caras lá. Naquela época eu fumava muito e prometi que se ganhasse aquele jogo pararia de fumar. Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida ter parado naquele momento, mas mesmo assim tive um enfarte anos depois – e lógico que ter fumado por tanto tempo “ajudou”. Tivemos bons momentos, poderíamos ter ganho, mas não aconteceu. Lembro que perdemos um jogo de playoff para o Vasco estando ganhando de 8 pontos faltando um minuto. Coisas de Hélio Rubens, de quem eu sou fã. Aí surgiu o Ajax, de Goiânia, com uma mega proposta e eu fui.

BNC: Você falou do Hélio Rubens. Você é amigo de todos os técnicos?
ALBERTO BIAL: Amigo, não. Mas eu me relaciono com todos eles. Outro dia um jovem treinador veio me perguntar como eu fazia essas coisas de dialogar e tal e eu disse pra ele que é preciso ter união e humildade. Lembro que quando treinei nos Emirados tinha muito técnico eslavo, dessa escola fantástica. Eram pessoas simples, humildes. Aqui no Brasil técnico ganha dois, três jogos e já fica com nariz empinado, é uma coisa de louco. Se acham demais, se levam muito a sério, se acham acima do bem e do mal.

BNC: Há dois jogos dessa época sua de Fluminense que me marcaram muito. Eu era torcedor de arquibancada, ia aos ginásios e te xingava muito, mas de fato aquele era um time bacana de torcer. Lembro de um jogo domingo pela manhã no Municipal que o Fluminense perdeu da Uniara, do Tom Zé, uma partida muito ganha e que você ficou enfurecido. E outra em um estadual que o Pablo, hoje assistente-técnico de Macaé, roubou uma bola no meio-campo e o Espiga ganhou um jogo contra o Botafogo no Maracanazinho com uma bandeja…
ALBERTO BIAL: Lembro bem dos dois momentos. Contra o Uniara foi meu último ano. Ali já estava meio enrolado, com problema de salário atrasado, essas coisas. Do jogo do Pablo eu lembro que o José Trajano, da ESPN-Brasil, estava no ginásio e quando ganhamos eu saí correndo que nem um maluco para abraçar minha família e dei um abraço no Trajano. Ele até escreveu uma coluna no jornal no dia seguinte sobre isso.

BNC: O que me chama a atenção em você é que apesar de ser muito identificado com o Rio de Janeiro você sempre pegou projetos em lugares sem muita tradição de basquete e colocou estas cidades, estes times, em evidência. Já parou para pensar que mais do que um técnico seus papéis ultimamente têm sido de fomentar a modalidade? E isso é um mérito incrível ao meu ver…
ALBERTO BIAL: Já pensei sim, Bala. Vejo e de certa forma foi bem consciente. Eu sempre fui um rebelde. Sempre fui um rebelde contra o sistema, contra tudo. Detesto essas coisas de fazer o modismo. No basquete o Waldir Boccardo ia para os Estados Unidos, trazia algumas coisas e todos copiavam. Achava aquilo terrível. Tínhamos que aprender, sim, mas nada de só ficar copiando. Precisávamos adaptar, trazer para a nossa realidade. Essa minha rebeldia, vamos lá. Essa corrupção que hoje estoura aí eu já tinha percebido há 20, 30 anos fazendo esporte e lidando no dia a dia com algumas situações bizarras. Os pais de alguns meninos que jogavam comigo eram lobistas, faziam coisas erradas, era terrível. Antes eu era rebelde sem causa. No começo dos anos 2000 eu percebi que dava para fazer um pouco da transformação que eu sempre sonhei através do esporte. E isso é o que me dá fôlego, me dá essa entusiasmo, me dá essa vontade de viver e de continuar fazendo. Eu acho que com o basquete eu posso trazer muitas oportunidades para crianças e jovens aqui no Brasil. O esporte é muito mal utilizado aqui no Brasil, essa é que é a verdade. Canso de ver em Santa Catarina, no Ceará, em Joinville o desperdício de talento. Adoro competir, odeio perder, amo fazer parte do NBB, mas o que me fascina mesmo é o social, a educação, os valores que o esporte transmite. E foi isso que coloquei na minha cabeça. Onde quer que eu fosse eu iria fazer dos meus projetos uma grande pirâmide de transformação social. É isso o que que tenho tentado fazer no Ceará. Estamos completando três anos de projeto e tenho certeza que deixarei coisas boas, um legado importante por lá. O Brasil tem que ser potência mundial no basquete. E eu não acho isso por achismo, não. Tenho certeza disso porque aqui as pessoas amam basquete, há material humano de sobra e há grandes técnicos também. Eu vejo às vezes discussões sobre a qualidade dos técnicos e isso me revolta um pouco. Temos ótimos treinadores por aqui. Olha um Hélio Rubens, um Ary Vidal, um Gustavo de Conti, um Régis Marrelli, um José Neto e olha a capacidade desses caras. Aqui não se valorizam os técnicos por nada. E outra: o cara que vem de fora é o máximo, é sempre uma unanimidade. Veja o exemplo do Rubén Magnano, técnico da seleção masculina adulta. Ele é excelente, campeão olímpico, mas, poxa, ele é humano e às vezes erra. É natural, você não acha?

BNC: Não só acho como eu devo ser o único que o critica quando ele erra…
ALBERTO BIAL: Mas é claro. Todos erram. Só o que me bate estranho é que quando ele erra os erros dele não são nunca questionados. Agora, um técnico daqui quando faz algo errado em um jogo de NBB, em uma seleção, é um inferno, o mundo acaba. A gente aplaude por ser um campeão olímpico, mas se fosse um brasileiro seria criticado absurdamente. Não tenho referência como técnico, mas se tivesse que encontrar alguém eu colocaria o Hélio Rubens como minha maior referência. E hoje ele está fora do NBB. Isso é impossível na minha cabeça.

BNC: Como é a sua relação com a imprensa?
ALBERTO BIAL: Olha, Bala, eu venho de uma família com um jornalista. Então eu entendo bem o trabalho de vocês. Não existem perguntas mal feitas. Existem respostas mal respondidas. Por isso eu tenho respeito. Sem o jornalista não tem esporte – principalmente o basquete, que tem tão pouco espaço. A única coisa que eu acho que poderia acontecer mais é valorizar mais são os esportes olímpicos que não o futebol. Não tem só o futebol por aqui. Há pessoas fazendo ótimos trabalhos em outras modalidades. A imprensa esportiva do Brasil melhorou demais, mas falta um maior aperfeiçoamento. Há pouquíssimos que cobrem basquete, por exemplo. Precisamos de mais opiniões. Você escreve bem, mas quanto mais diversidade, melhor. Precisamos de mais vozes. A grande riqueza do Brasil é a pluralidade.

BNC: Tem uma questão dos técnicos que me chama muito a atenção. Quando o Brasil perdeu de 7×1 de Alemanha eu vi um tratamento absurdo em relação ao Felipão. Ele errou muito, foi mal na Copa, mas muita gente disse que os 7×1 apagariam o título mundial dele de 2002. Falta um pouco de respeito aos técnicos do Brasil de um modo mais amplo?
ALBERTO BIAL: É muito ruim o tratamento, Bala. Quando minha filha foi para os Estados Unidos estudar eu fui por quatro anos para lá. O técnico da faculdade me recebia, ficávamos juntos, eu ia ver os jogos e treinos e percebi que o tratamento dispensado a ele era absurdamente diferente do o que vemos aqui. Os técnicos são tratados com respeito. Acho que a palavra é essa – ‘respeito’. Hoje eu entro em ginásios e sou xingado. Entro no ginásio do Flamengo e minha mãe de 90 anos me vê sendo xingado de “filho da…”. Isso é legal? Isso é educado? O respeito só é adquirido com educação. E isso a gente não deixa de ver só no esporte, não. Quantos pais de família você vê educando bem? A questão é maior do que apenas esportiva.

BNC: E é muito difícil fazer basquete no Nordeste? Há preconceito, você percebe isso?
ALBERTO BIAL: Não é preconceito, mas sim uma distância, uma dificuldade diferente. É tudo mais difícil, mas a vontade de acertar que eu vejo por lá é incrível, dá muito gosto. O que nosso time Sub-22 está fazendo na Liga de Desenvolvimento (LDB) é belíssimo. Eles aceitaram nossas condições e foram com tudo em busca do objetivo deles.

BNC: Que condições?
ALBERTO BIAL: Fazer no amor, fazer na raça mesmo. Quando voltei para lá em julho, agosto, eu falei para essa molecada das condições e eles toparam, foram pra cima e hoje estão na ponta da LDB. Isso é emocionante, isso mexe com a gente.

BNC: Seu time fechou 2014 com salário atrasado, certo?
ALBERTO BIAL: Sim, estamos com salário atrasado. E eu faço questão que isso não afete. Vamos regularizar, tenho certeza disso. Sei que é difícil, tenho 62 anos e consigo assimilar, mas eu falo para a molecada que o objetivo está lá na frente e não no salário em si. Olha o caso do Davi. Ele não está preocupado com o que está acontecendo. Tem o que comer, tem os suplementos para tomar, tem a academia para ganhar físico e está fazendo um NBB brilhante. Colocou na cabeça que o foco é o basquete, o jogo, a quadra e está se saindo muito bem.

BNC: Mas, Bial, isso não é uma praga (de salários atrasados) no esporte brasileiro? Não terá fim isso?
ALBERTO BIAL: Sem dúvida, Bala. Isso é a cara do Brasil. O que se planejou no Brasil até hoje? Por aqui foi sempre tudo assim, sem nenhum planejamento, nada. Entra um governo, sai outro e muda-se tudo. O Brasil tem mais de 500 anos e eu nunca senti um pouco de planejamento no cotidiano. Não é o nosso caso lá no Ceará, que isso fique claro. Tivemos problemas burocráticos, mas estamos acertando. De todo modo você está certo. É algo que não pode mais ocorrer mesmo. A organização é sempre fundamental e temos que buscar isso fortemente.

BNC: E onde você acha que dá pra chegar com o Basquete Cearense?
ALBERTO BIAL: Olha, Bala, eu sou um cara com muitas ambições, com muitos sonhos. Fico pensando se eu consigo colocar o Basquete Cearense, o Nordeste como campeão do NBB. Pode ser que pensem em mim para a seleção brasileira. Por que não? Se eu não pensar assim que pensará? Você já imaginou que coisa bacana que seria? E isso é possível. Precisamos de um pouco mais de grana, mas temos boa estrutura, uma torcida fanática. O sonho é meu combustível para viver mais e sempre melhor. É como o Michael Jordan dizia: a meta tem que ser sempre a mais alta possível. O que eu mais me apego, mesmo, é onde eu acho que tenho mais a acrescentar: nas relações humanas, na gestão de pessoas. E isso é hoje tão difícil, não é mesmo? Hoje em dia a gente vê tanto problema, tanta falta de verdade. É difícil apertar a mão e olhar nos olhos. A honestidade está no dia a dia mesmo. As pessoas estão admirando as pessoas erradas, Bala. Tem pessoas que eu gostaria de falar aqui e que não vou falar. Os ícones estão todos errados. As pessoas admiradas no esporte hoje estão todas corrompidas. E o esporte é justamente o inverso disso. Olha aí o exemplo do vôlei, Bala. Machuca quem foi criado dentro de uma quadra, pode ter certeza. O Shilton, hoje no Minas, é o exemplo mais claro disso. Lembro que quando o dirigi em Joinville nem ele acreditava nele e eu dizia: “Você é muito bom, cara. Você sabe fazer coisas que ninguém sabe. E você é líder por natureza”. E ele acreditou nele mesmo, passou a fazer coisas importantes para o nosso time e depois veio para o Flamengo ser campeão de NBB e peça importante na equipe.

BNC: Você falou muito sobre política e queria dividir as duas coisas, se é que é possível. A esportiva e a de Brasília, digamos assim. Como é para um técnico, um grande formador de pessoas, ver as pessoas que estão nos maiores escândalos hoje terem sido jogadores. O Ary Graça, e eu não estou fazendo julgamento aqui, está envolvido em uma série de problemas graves. E veio da quadra…
ALBERTO BIAL: Pô, Bala, isso é muito triste, triste mesmo. Você fala dessas coisas… machuca, cara. Vou te contar uma coisa. Um dos melhores atletas que eu tive na minha vida chama-se Fernando Cavendish. Você tem noção disso? (Nota do Editor: Fernando Cavendish foi presidente da Delta, empresa de Engenharia investigada por uma série de irregularidades). Ele foi meu jogador no Flamengo e era extraordinário. Eu fico pensando: como isso acontece, como ele é levado a essa condição? Eu não tenho a menor dúvida que foi muito educado, jogava basquete pra cacete e era amigo do time inteiro. Eu nem sabia exatamente no que ele estava trabalhando quando começaram a surgir os problemas. Quando olhei um dia no jornal a foto dele fiquei mal, aquilo me deu uma tristeza absurda. Vi a foto e entrei em choque. Aquela foto com guardanapo na cabeça em Paris me deixou muito mal. Que fique claro. Eu não estou fazendo nenhum tipo de análise dele como pessoa, até porque fico sabendo das coisas por jornais, mas que dá uma tristeza, isso dá. Na nossa família tivemos muitos problemas na infância, o Pedro (Bial, irmão dele) é um sucesso que todos conhecem e jamais se envolveu em um problema ético desses. Se isso tivesse acontecido seria a morte para a nossa família…

BNC: Atleta se mete pouco em questões políticas do esporte?
ALBERTO BIAL: Sim. Atleta deveria se envolver mais, sim. Mas são poucos com visão, com essa capacidade de olhar o todo. Os jogadores pensam de forma muito curta, muito individual. É complicado isso. Hoje no meu time tenho o Davi, o Fischer, mas são poucos que é possível olhar e conversar sobre tudo. Muita gente só pensa no seu, em si, e política é ir além, é pensar no todo, no bem comum, no coletivo. Vou te contar uma coisa. Eu fui chamado por uma professora de uma escola estadual (Torres Cavalcante) de Mucuripe, perto de onde eu moro. Havia uma série de rebeliões, tráfico, violência e as crianças não conseguiam ir às aulas, professores não conseguiam dar aula. A professora me pediu uma ajuda. Eu fui lá com meu time. Fizemos um trabalho na comunidade, com as crianças, com tudo. Hoje as crianças vão às aulas e está tudo bem. Isso me dá um orgulho danado, Bala. Hoje estão tendo campeonatos de basquete. No recreio há partidas de basquete. Olha como essa gestão ajudou a transformar a região. O resultado vem rápido. Eu falei uma hora, o time se apresentou e no final fizemos um círculo, essas coisas. Olha aí, deu certo.

BNC: No tema de uma política mais ampla. Você está morando no Nordeste, um dos grandes focos da eleição presidencial passada, com muita gente falando besteira. Como você vê o país de lá e o que está esperando para 2015 do Brasil?
ALBERTO BIAL: Eu morro de medo. De corrupção, de tudo. O mais importante pra mim é o sentimento da rua, o sentimento desse Brasil que quer passar por uma transformação. O Brasil precisa disso, precisa dessa transformação. As mudanças, pelo que eu entendo, precisam partir do povo, mas eu não vejo o povo pronto para exigir isso, pronto para partir para essa mudança. Eu estava lá no Ceará e vi muita gente falar nessa separação (do Brasil). Isso é uma idiotice. O Brasil tem muitas pessoas de bem, que podem mudar o país, mas isso passa por um processo político de mudança.

BNC: Falamos muito sobre a palavra respeito e de longe eu acompanhei a sua saída de Joinville. Te machucou muito aquilo ali, não?
ALBERTO BIAL: Ah, Bala, aquilo ali foi horrível. Foi assim, cara. Lá eu fui buscando pessoas para fazer o projeto comigo e fiquei por lá 7 anos. Sozinho você não faz nada e eu tive pessoas que me ajudaram muito. Só que o projeto cresceu, algumas coisas aconteceram e certamente não terminou da maneira que eu acreditava. O olho cresceu, o ambiente ficou muito ruim lá. Abri mão de muito dinheiro, de prestígio. Fui ameaçado, fui caluniado, fizeram o diabo da minha pessoa lá em Joinville. Foi muito traumático pra mim. Eu perdoo tudo, mas isso eu demorei a perdoar, acredita? Só quando surgiu o Ceará que eu consegui apagar isso da minha cabeça. O Espiga até hoje não conseguiu (perdoar). Não quero falar de nomes, mas houve pessoas que eu confiei e que depois me apunhalaram pelas costas de uma maneira horrível.

BNC: Você viu a Liga Nacional sair do papel e sete anos depois já temos o NBB associado à NBA. Como você enxerga o NBB hoje?
ALBERTO BIAL: Traz entusiasmo, cara. Tudo o que vem deles (da NBA) é bem feito, dá certo. Eles sabem mexer, sabem fazer coisas. Aqui é o contrário. Quase tudo o que a gente faz dá merda, dá problema. Ninguém aqui sabe trabalhar o coletivo, sabe mexer realmente pensando no bem comum. Aqui apareceu o Kouros Monadjemi, primeiro presidente da Liga Nacional. Mas ele é um cara. Lá na NBA são todos. Comercialmente ela vai mostrar de que forma é que são trazidos parceiros e torcedores para dentro dos ginásios. Eles sabem fazer não só basquete, mas também a seleção de pessoas para os cargos importantes para o desenvolvimento do produto basquete. Nisso eles são craques e precisamos aprender. O sentimento que fica, depois desse tempo todo, é de orgulho. E lá atrás eu acreditava, posso te dizer isso. Estamos andando, mesmo que de forma lenta, mas estamos andando, estamos caminhando e a evolução é nítida. Olha essa Liga de Desenvolvimento, que coisa linda, que coisa espetacular. Precisamos explorar mais isso no Brasil, precisamos criar essa cultura do bem maior, do coletivismo no Brasil. O Kouros sabe que ele foi o grande responsável por isso, por juntar a todos na mesma página. Se não for dessa forma não vai pra frente. O basquete é a metáfora da vida, Bala.

BNC: Quem é seu maior crítico?
ALBERTO BIAL: Ah, o Pedro. Ele me dizia que eu tratava jogador com muita benevolência, com muito carinho. Pedro me dizia que eu precisava tratá-los no máximo do profissionalismo, no máximo da razão. Uma vez ele citou uma frase do Armando Nogueira (jornalista, ex-chefe do departamento de jornalismo da Globo): “Não administre caráter. Administre talentos. Essa é a sua função como gestor de equipes”. Nunca quis mudar o caráter de ninguém e passei a administrar talentos com mais profissionalismo ainda.

BNC: Pra fechar. Como é o Bial em casa?
ALBERTO BIAL: Ah, Bala, nós, a Leila e eu, ficamos muito sozinhos no Ceará. O restante da família fica no Rio de Janeiro. Temos 41 anos de união e a Leila é uma mulher muito parceira. Quando estamos no Rio temos a casa da minha filha Melina, que é mãe da Alice, minha neta de 5 anos, da Marcela, minha outra filha, da minha mãe, Suzane, de 90 anos, e a do Pedro, meu irmão. Minha mãe é que é fogo, rapaz. Não perde um jogo do Fluminense. Outro dia teve um churrasco na casa do Pedro e ela só foi porque ele garantiu que teria uma televisão para ela ver a partida. Sinto falta deles, mas sentiria muito mais falta do basquete se estivesse no Rio de Janeiro sem poder treinar. Eu sem o basquete, eu não consigo me relacionar com as pessoas. Adoro competir, cara, e hoje eu sei ganhar e perder. Por isso minha vida no Ceará acaba sendo 100% basquete. No repouso eu acabo vendo vídeo, falando com jogador, preparando o treino da semana. O basquete não me enjoa, cara, isso é o mais importante da vida.

BNC: Quando as pessoas forem lembrar do Alberto Bial daqui a 40 anos, como você gostaria de ser lembrado?
ALBERTO BIAL: Olha, gostaria de ser lembrado como um cara que formou pessoas. Como um professor mesmo. Quando ouço isso de algumas pessoas há um valor imenso. Queria ser visto como um cara solidário, que amou o que fez e que conseguiu melhorar as pessoas a sua volta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário