Dando continuidade à série de cartas escritas por Alexandre Póvoa, vice-presidente de esportes olímpicos do Flamengo, contando os bastidores da hegemonia do basquete rubro-negro no cenário nacional no período de 2013 a 2016, mais uma das cartas, que fazem parte da História do Basquete do Flamengo:
Carta escrita em junho de 2016
Carta escrita em junho de 2016
Caros amigos rubro-negros,
O “Orgulho da Nação” - O raro tetracampeonato: Ufa, dessa vez foi duríssimo. Muitos disseram que o NBB 8 representou a conquista nacional mais difícil de todos os seis campeonatos nacionais que já vencemos na nossa história. Apesar de cada “caneco” ter sabor único e diferente, certamente, dentro e fora da quadra, as dificuldades para vencer foram mais agudas do que nos anos anteriores.
Apesar da apresentação de gala no jogo 5 da final, com uma vitória incontestável (100 x 66) contra Bauru, sofremos muito em duas séries de playoff – semifinais e finais – com vitórias de 3x2. A diferença para os nossos adversários foi bem mais estreita nessa temporada, o que valoriza em muito a nossa vitória. Além disso, o passado comprova como é rara a ocorrência de tetracampeonatos consecutivos em esportes coletivos em alto nível. O futebol do Flamengo, historicamente, sempre parou em tricampeonatos. Apenas para reforçar o ponto (e guardando todas as devidas proporções), na era moderna nunca uma equipe passou de um tricampeonato seguido na NBA (Chicago Bulls e Los Angeles Lakers foram os exemplos mais recentes). Em todos os tempos, somente o lendário esquadrão do Boston Celtics ultrapassou essa barreira, conseguindo um incrível octacampeonato na década de 60. Para quem vence todo ano, há o natural desgaste interno a ser bem administrado e o nível de motivação deve ser estimulado o tempo todo. Já as forças externas que, intencionalmente ou não, passam a não aceitar mais a hegemonia avassaladora, devem ser neutralizadas.
Em tempo, o Flamengo é seis vezes campeão brasileiro de basquete de forma alternada (cinco vezes da NBB). Essa história é linda, ninguém nos tira. Só ressalto a especial extrema dificuldade de se ganhar campeonatos de forma seguida.
Agradecimentos especiais: Nossos agradecimentos aos nossos patrocinadores da temporada – Governo do Estado Rio de Janeiro (Lei de Incentivo de ICMS), TIM, Sky e Estácio. Obrigado por acreditarem no nosso trabalho e esperamos ter feito jus à confiança de nossa parceria. Sem vocês, não teríamos chegado a lugar nenhum. Tão ou mais importante, nossas palmas e parabéns à Nação Rubro-Negra, a maior torcida do mundo, que tanto nos ajudou em plena sinergia com o “Orgulho da Nação”.
Parabéns à comissão técnica e aos atletas que, apesar de todas as dificuldades internas como time e externas (todas as forças querendo nos vencer), souberam juntar tática, técnica e o peso da camisa rubro-negra para tornar o Flamengo tetracampeão (consecutivo) brasileiro de basquetebol.
O desabafo contra a autofagia rubro-negra - Peço licença para começar com um desabafo.
O Flamengo, que foi o meu segundo lar na minha formação de atleta, é aquele de sábado, multi-campeão, o Orgulho da Nação, unido e forte. O clube que todos respeitam e o arco-íris inveja. Moderno sim, mas sem jamais deixar de olhar para o passado e suas raízes. Responsável financeiramente sim, mas sem jamais deixar de respeitar nosso maior ativo, que é a nossa torcida e contar com ela integralmente nos momentos mais decisivos.
O Flamengo unido, respeitando esses princípios e com sinergia dentro e fora das arenas esportivas, é uma força da natureza difícil de ser batida.
O Flamengo é campeão de novo, contra tudo e contra todos, para mim é o que importa. Obrigado a todos que ajudaram, da sua maneira, nessa e trajetória vitoriosa .
Em junho/13, escrevi orgulhosamente uma primeira carta aos rubro-negros (“O Basquete do Flamengo agradece”), comemorando a conquista do título do NBB 5, em uma decisão contra o Uberlândia, o começo dessa linda trajetória dos últimos quatro anos. Lembro-me que à época, alguns oportunistas de plantão, preocupadíssimos mais com o poder do que com o Flamengo, questionavam de forma até agressiva o mérito dos dirigentes, afirmando que “o título, na verdade, pertencia à diretoria anterior”. Apesar de aquelas afirmações desconhecerem completamente as demandas para um trabalho vencedor em esportes coletivos, na ocasião, respondi com outra pergunta: Que diferença faz? O Flamengo é campeão brasileiro de basquete, todos os rubro-negros têm a sua cota de participação!
Desde então:
- Março/14, nossa grande vitória na Liga das Américas na final contra o Pinheiros (“O Basquete do Flamengo agradece – Parte 2”).
- Maio/2014, comemoramos juntos o bicampeonato nacional consecutivo – NBB 6 – na final contra o Paulistano (“O Basquete do Flamengo agradece – Parte 3”).
- Setembro/2014, contamos a maior conquista de todas as modalidades do clube no século XXI, repetindo Tóquio/1981: o Flamengo simplesmente Campeão Mundial de basquete, em uma final épica contra o Maccabi Tel Aviv (O Basquete do Flamengo Agradece – Parte 4 - Flamengo Campeão do Mundo).
- Maio/2015, falamos dos bastidores do tricampeonato nacional seguido (NBB 7), conquistado em cima de Bauru (“O Basquete do Flamengo agradece – Parte 5”).
Pois é. 42 meses se passaram desde que iniciamos essa jornada frente ao basquete do Flamengo. Treze competições disputadas, dez títulos, a nível estadual, nacional, continental e mundial. Fomos juntos com a mesma comissão técnica e aproximadamente 40 atletas vestiram o Manto Sagrado. Apenas quatro deles são tetracampeões nacionais consecutivos, nosso capitão Marcelinho, Marquinhos, Olivinha e Gegê. Em 2013, a realidade apontava para três meses de salários atrasados (para todos) e alguns outros atletas com dívidas que ultrapassavam a fronteira de três temporadas. Encontramos um grupo inseguro e sem a cultura da vitória.
Na realidade atual, pagaremos até o final do mês a sexta premiação devida em quatro anos e então estaremos 100% quites com todos. Em meados de 2016, não haverá mais dívidas do Flamengo com jogadores de basquete e os nossos lucros e dividendos terão sido convertidos em conquistas e alegrias para a nossa torcida.
Mesmo assim, infelizmente, na véspera da final e durante essa semana voltei a escutar alguns comentários dos quais custo a acreditar que tenham vindo de verdadeiros rubro-negros: “Esse título é azul, verde, branco, do patrocinador, técnico ou dirigente A, B ou C”. Quase quatro anos depois, tendo passado todo tipo de dificuldade e emoção, com o coração explodindo de felicidade, só há uma resposta: Que diferença faz? O Flamengo é TETRAcampeão brasileiro de basquete, todos os rubro-negros têm a sua cota de participação!
Esse desabafo inicial se encerra, enfatizando que a parte mais triste desse meu período de Vice-Presidente do C.R. Flamengo foi conhecer por dentro a chamada autofagia rubro-negra. Sem medo de errar, digo hoje que muitas pessoas “são mais rubro-negras quando estão no poder ou quando estão avidamente à busca dele”; ou que “muitos estranhamente são muito mais rubro-negros nas vitórias do que nas derrotas, quando o verdadeiro sentido de amor ao clube deveria se expressar no caminho inverso”. Posturas mesquinhas e egoístas, de anti-rubronegrismo explícito, só destroem o Flamengo.
Até quando as pessoas vão ignorar o fato de que o Flamengo organizado, unido e em sinergia com a sua torcida, torna-se quase invencível? Paciência, a função do grande rubro-negro é dar sua parcela de contribuição (seja de que forma e tamanho for) na construção de um grande clube na acepção do Flamengo – único, multi-esportivo, indivisível no futebol, esportes olímpicos e parte social. Que guerras políticas nascidas de interesses menores fiquem longe desse compromisso inegociável com a vitória do Flamengo.
Escrevo essas cartas com prazer, mas também por obrigação. Todo dirigente amador do Flamengo deve ser a voz da Nação Rubro-Negra dentro do respectivo campo de atuação. Nessas nossas passagens efêmeras, devemos prestar contas de forma transparente, acertando ou errando estamos todos do mesmo lado.
A importância da formação do elenco em esportes coletivos: Falemos então sobre o tetracampeonato brasileiro seguido (NBB 7), o quinto título de NBBs do Flamengo - o maior vencedor da história da competição. O ano começou diferente, perdemos quatro jogadores importantes da nossa equipe campeã mundial do ano anterior. Duas perdas eram esperadas – dos craques argentinos Nico e Herrmann – mas as saídas do Vítor Benite (no último dia da janela de transferências) e do Cristiano Felício (confirmada somente em outubro - aplausos para um querido rubro-negro que terminou o ano arrebentando na NBA) atrapalharam demais o planejamento. Adicionalmente, perdemos o reforço do atleta Humberto do Pinheiros, já acertado, por questões alheias à nossa vontade. Para completar, a economia em frangalhos fez o dólar disparar, afastando algumas alternativas de atletas estrangeiros para reposição em alto nível.
Um dos segredos do sucesso do basquete do Flamengo é que, apesar de termos a mesma competente comissão técnica há quatro anos, não existe a figura do “super-técnico” ou do “super-dirigente ou VP” com “poderes divinos”. A decisão de formação de elenco é largamente discutida, compartilhada, nem sempre unânime. Porém, quando alguém é voto vencido, compra a ideia do mesmo jeito e vamos até o fim juntos. Evidentemente, nunca um atleta será imposto à revelia da vontade do técnico; mas a recíproca também é verdadeira e a diretoria tem sempre o poder de veto.
Dado que dificilmente iríamos conseguir soluções à altura para as perdas no mercado nacional (todos já estavam sob contrato) ou internacional (dólar caro), resolvemos em conjunto mudar a estratégia: Buscar uma equipe com mais rotação e defesa mais forte, um estilo mais “europeu”. Essa passou a ser a nova filosofia para a formação do elenco, materializada com a chegada do JP Batista, Rafael Mineiro, Rafa Luz e Jason Robinson.
NBA , Carioca e começo da NBB, bom início de temporada: A trajetória começou com o primeiro jogo de pré-temporada de uma equipe da NBA (Orlando Magic) contra uma equipe local em território latino-americano. Fizemos história novamente, enorme orgulho! Porém, apesar do caráter amistoso da partida, era fundamental, para o projeto de basquete do Flamengo, nos sairmos bem tanto dentro como fora da quadra. Nas arquibancadas, uma festa grandiosa; dentro da quadra, nosso time completamente desentrosado e em começo de trabalho, contra uma franquia de NBA, cuja distância é grande para qualquer outra do mundo. Tomamos um susto no começo do jogo com a diferença dilatada no placar, mas o resultado final – 90 x 73 – acabou sendo honroso. Permanece aqui uma meta, um desafio do qual nenhum rubro-negro deve desistir: Depois de termos entrado no cenário internacional do basquete, um dia vamos vencer uma equipe de NBA em uma pré-temporada. É possível, precisamos sonhar sempre.
Ganhamos, por obrigação, o Campeonato Carioca (hendecacampeonato) e a equipe começou bem o NBB (chegamos a ganhar com tranquilidade do Bauru no Rio). Porém, a partir da virada do ano, começamos a cair de rendimento, alternando bons e maus momentos. A irregularidade não fazia parte do projeto desse time, mas foi a marca que, infelizmente, nos perseguiria até o final do campeonato.
Sempre digo que, ao contrário do senso comum em “time que está ganhando evidentemente pode-se e deve-se mexer, se o resultado final for a correção de equívocos e/ou a evolução”. Isso independe da equipe ter sido campeã ou não. Um trabalho de longo prazo racional busca uma melhora constante do elenco (dentro das condições financeiras) para a temporada seguinte.
Da mesma forma, às vezes o planejamento da equipe é 100% atingido dentro da quadra, mas outra equipe pode ter méritos maiores para ganhar determinado campeonato. Não haveria razões, então, para grandes mudanças.
A Liga das Américas – a vergonha da derrota e as lições aprendidas: Aliás, no meio da temporada, conseguimos corrigir parte dos equívocos na formação da equipe com a contratação providencial do Ronald Ramon, às vésperas da Liga das Américas. Detalhe, quando contatamos o Ramón, ele já havia acertado com uma equipe venezuelana, mas não havia ainda assinado. Voltou atrás na hora, mostrando como hoje jogar no Flamengo virou o objetivo de muitos atletas. Aliás, nesse aspecto, mais uma vez o nosso planejamento funcionou: Sempre deixar uma vaga de estrangeiro em aberto para a substituição de atletas contundidos e/ou corrigir algum defeito de DNA na formação da equipe. Aconteceu com o Bruno Zanotti na contusão do Marcelinho; do Tony Washam, na contusão do Benite e, finalmente, agora com um a contratação do Ronald Ramon para suprir uma lacuna tática/técnica. Naquele momento, prevalecia o diagnostico de problemas na nossa armação e na posição 2. Fomos cirúrgicos e tempo nos deu razão; ali começávamos a ganhar o NBB.
Infelizmente, o maior trauma ocorreu na Liga das Américas. Muito desgaste físico, viagens e jogos em lugares distantes como Cidade do Panamá e a “inacreditável” Barquisimeto (pelo momento econômico/político terrível que passa a Venezuela) fizeram parte de nossa rotina. Nas duas primeiras fases, vivemos a incrível irregularidade da nossa equipe, que não conseguia manter um mínimo de estabilidade dentro das próprias partidas. Na fase semifinal, chegamos a estar perdendo de 30 pontos para o time de Barquisimeto - Guaros de Lara - para depois nos recuperarmos.
Em tempo e para fechar definitivamente a página de um assunto desagradável: Foi terminantemente proibida pela diretoria (explicitamente falado na preleção) qualquer discussão ou tentativa, dentro da quadra, de “escolher o adversário” no Final Four, atitude muito feia para o esporte (mais comum que as pessoas imaginam) e que foi tomada pelo time da casa ao errar grosseiramente um lance livre ao final da partida, com o objetivo de cruzar intencionalmente com Mogi, ao invés de Bauru.
O pior ainda estaria por vir, naquela derrota humilhante na semifinal diante de Bauru, quando tomamos uma virada inaceitável, quando vencíamos de 17 pontos a 6 minutos do fim. Não adianta tentar explicar o inexplicável, aquele pesadelo não teve uma justificativa razoável que não fosse os nossos próprios erros. O clima no vestiário e no hotel após a partida ficou pesadíssimo.
Lembro-me que, naquela noite, me encontrei com o jogador Jefferson do Bauru no elevador do hotel, que me disse: “Póvoa, já tínhamos jogado a toalha, inclusive o treinador havia tirado o Alex do jogo e pedido para a equipe apenas fazer um bom final de partida. Deu tudo certo.”
Voltamos ao Brasil e eu, literalmente envergonhado, tomei, imediatamente, duas providências: Primeiro, mandar uma carta de pedido de desculpas à torcida em Março/16 – “o Basquete do Flamengo pede desculpas”. Nada mais que a obrigação, perder faz parte do jogo, mas a forma que aconteceu estava longe de ser normal e exigia uma retratação imediata.
A segunda atitude foi reunir a Comissão Técnica para, de um lado, dar o nosso apoio; porém, do outro, fizemos fortes cobranças, dando carta branca e respaldo para qualquer mudança ou atitude necessária.
Já de volta ao Brasil, fizemos talvez a mais dura reunião com o grupo desses últimos quatro anos. Muita roupa suja lavada e a mensagem clara de que a diretoria estava bastante insatisfeita com o ocorrido e com a temporada. O jogo seguinte foi contra Brasília e, mais uma vez, nos desconcentramos ao final da partida e perdemos em casa. Ali, o fundo do poço foi atingido, até com demonstração rara de descontentamento da própria torcida. Mas os bons gestores e atletas vencedores transformam limões em limonadas.
De volta a NBB – Semifinal contra Mogi: Continuamos muito irregulares no restante do NBB (reuniões e mais reuniões com o grupo...), mas conseguimos alcançar o importante objetivo do primeiro lugar da fase de classificação, que nos deu a vantagem de decidirmos sempre em casa. Atuamos relativamente bem (nunca brilhantes na verdade) no playoff (3x0) contra Rio Claro nas quartas-de-final.
Já na semifinal duríssima contra Mogi, mais uma derrota em casa e chegamos ao jogo 4 com uma desvantagem de 2x1. Já fomos diversas vezes jogar em Mogi das Cruzes, mas nunca vi uma pressão tão grande por lá fora da quadra como naquele dia. Nossa delegação foi ameaçada pela torcida adversária na chegada e na saída do ginásio e recebemos cusparadas dentro da quadra na passagem para os vestiários. Os juízes, pressionados, fizeram uma “arbitragem caseira” no segundo tempo, o que quase nos eliminou do NBB 8. Na saída, após nossa vitória, comentaristas da televisão foram ameaçados e carros dos juízes depredados. Tivemos que ser escoltados até a saída da cidade, parecia filme. O time se comportou bem e mereceu todos os aplausos naquele dia do primeiro “match point contra” que tivemos Nos últimos quatro anos na NBB.
Enviamos uma Nota de Protesto imediatamente na Segunda-Feira seguinte para a Liga Nacional de Basquete, mas o clima estava totalmente hostil ao Flamengo de todos os lados, também nos gabinetes. Reforçando, hoje entendo porque a transição de um tricampeonato para um tetra é tão difícil, o clima contra a “equipe a ser batida” torna-se quase insuportável. Vencemos quinto jogo no Rio em um confronto duríssimo.
A grande final contra Bauru, melhor de 5:
Arena Carioca 2 - Antes de falar da partida, o processo de negociação para jogar na Arena 2 não foi fácil. A Arena 1 – maior e que será usada pelo basquete nos Jogos Olímpicos - estaria ocupada em algumas datas pelo Grand Prix e Liga Mundial de Vôlei. O ginásio que usamos só oferecia o espaço de alto nível (quadra, arquibancadas e vestiários), mas não possuía os requisitos básicos - sistema de segurança, limpeza, bilheteria, alimentação, enfim, absolutamente nada de infraestrutura. Apesar da boa vontade do Comitê da Rio-2016, o custo total para realizar os jogos acabou sendo bem maior do que nossas experiências anteriores no HSBC Arena e no Maracanãzinho (pelo menos cinco vezes maior do que os valores especulados pela imprensa). Foi até engraçado ver o Prefeito do Rio exaltar o uso da Arena Carioca 2 pelo Flamengo como inicio do legado para a cidade (aliás, prefeito, e a Arena McDonald´s?). Espero sinceramente, como brasileiro e carioca, que o legado pós-jogos fique bem mais acessível para a população e para os clubes do Rio e não seja o vexame que foi o “não-legado” do Pan Americano, dado os equipamentos, construídos com dinheiro público, foram arrendados para entes privados. Mas a ótima noticia é que a torcida do Flamengo comprou o barulho e tivemos um bom lucro nos três jogos, que vai nos ajudar a pagar a premiação.
Início da série, Jogo 3 e jogo 4 contra Bauru, a famosa “bola presa” e o choque elétrico – Quando vencemos o primeiro jogo em Marília, instalou-se um clima de “oba-oba” típico de quem conhece a história do Flamengo, quando instala-se um clima de euforia acerca da ilusão de que as competições já estão ganhas. Lembro-me que cheguei a um treino na segunda-feira e vi os atletas dando entrevistas a rodo e tirando “selfies”. Chamei todos para uma conversa fechada no vestiário e alertei para a necessária postura dado que, todos nós, ainda éramos devedores no ano, sobretudo pela derrota na Liga das Américas e atuações irregulares. Adicionalmente, perguntei se eles conheciam a história trágica do Flamengo em situações semelhantes (Santo André, América do México, entre outros menos famosos). Já sabedor das características do nosso time, sabia que dificilmente venceríamos por 3x0 a série.
Não deu outra, perdemos o jogo 2, em casa, sendo muito irregulares novamente. Veio o Jogo 3 e aquela celeuma da bola presa, que criou um espetáculo bizarro de reclamação e protesto, a partir de uma conveniente memória seletiva: “Esqueceram” que no lance imediatamente anterior consistiu em uma falta escandalosa do Alex no Ramon; “esqueceram” que há diversos erros de arbitragem em um jogo de basquete (naquele dia, houve vários contra o Flamengo) e não é somente um que decide uma partida isoladamente; e, por fim, “esqueceram” que o Bauru teve a bola nas mãos para decidir a partida e fracassou. Beirou o ridículo o desconhecimento de basquete, a “greve de entrevistas” de Bauru e a campanha (não intencional, mas claramente sensacionalista) da imprensa e de blogs especializados tirando os méritos do Flamengo e focando toda a análise do jogo na “bola presa”. Se o objetivo era criar um clima hostil em Marília, conseguiram, resultando até em choque elétrico dado por um segurança em nosso fisioterapeuta. Mas o Flamengo nunca colocará culpa em terceiros pelos seus problemas. Jogamos muito mal, fomos dominados por Bauru, que mereceu a vitória.
Julgamento do jogo 4 contra Mogi na mesma semana: Na semana anterior ao jogo 4 de Bauru, poucos souberam que foram levados ao tribunal da LNB o pessoal de Mogi (técnico e dirigentes) pelas confusões da semifinal jogo 4 em Mogi das Cruzes e Alexandre Póvoa, do Flamengo, porque reclamou veementemente depois do jogo com os delegados da partida sobre todos os absurdos aos quais nosso clube foi submetido. A conclusão do julgamento mostra bem como estava o clima em relação ao Flamengo: Todos foram absolvidos do lado de Mogi, inclusive o clube, pelas confusões ocorridas dentro e fora do ginásio; o único condenado da noite foi o Alexandre Póvoa, pelo lado do Flamengo, suspenso por 15 dias, por reclamar das agressões sofridas. Só pude participar dos dois jogos finais pela competência de nosso Departamento Jurídico, que conseguiu a concessão de um efeito suspensivo do Pleno do STJD.
Jogo 5 vencido nos detalhes dentro e fora da quadra: As pessoas em geral não têm ideia de como um playoff melhor de 5 é desgastante. Jogamos 10 partidas decisivas em 40 dias. Afirmo que começamos a ganhar o jogo 5 contra Bauru umas duas horas após o encerramento do jogo 4. Nós da diretoria nos reunimos com a Comissão Técnica e, conhecedores das características do nosso time e de alguns atletas em específico, estabelecemos em conjunto vários procedimentos as serem adotados na semana decisiva para aumentar nossas chances de vitória.
Primeiro, estabelecemos a determinação de treinos fechados todos os dias, sem imprensa, para que não houvesse desvio de foco (alguns jogadores nunca tinham sido campeões antes e ainda existiria a convocação para a seleção olímpica naquela semana); somente Marcelo, Marquinhos e Neto estariam liberados para conceder entrevistas e, mesmo assim, apenas na sexta-feira (pedimos compreensão à imprensa, mas, àquela altura, a prioridade era prover as melhores condições para a equipe ganhar); antecipação da concentração; treinos na Arena desde o começo da semana, (a bola tinha que voltar cair!); e, finalmente, conversas muito enfáticas, sobretudo para os que estavam chegando à primeira final conosco, sobre o que é ser campeão com a camisa do Flamengo e como seria necessário aproveitar a sinergia com a nossa torcida.
Para completar, diante da pressão da imprensa para nos posicionarmos sobre os acontecimentos de Marília, soltamos na véspera da decisão uma dura Nota Oficial, desvendando os constrangimentos sofridos pelo Flamengo, mas garantindo que nada ocorreria de anormal no Rio de Janeiro.
Conversamos muito, o vídeo da preleção no dia do jogo foi sensacional, incluindo mensagens de grandes rubro-negros. Não tinha como a gente perder naquele dia do jeito que nos preparamos – física, técnica e psicologicamente - durante uma semana e com a torcida do Flamengo ao nosso lado.
Avaliação da temporada e futuro: Terminamos o ano muito felizes com o tetra, mas reconhecemos que, em termos de produção dentro da quadra, a temporada ficou abaixo de nossa projeção. Não vencemos a Liga das Américas, nossa maior meta era estar jogando contra o campeão europeu novamente em 2016. Em uma gestão equilibrada, um título (mesmo com um time ganhando de 34 pontos na final) não pode apagar os nossos erros; da mesma forma, nem uma eventual derrota poderia desqualificar a parte bem feita do trabalho.
É importante ressaltar que o técnico José Neto e sua comissão técnica renovaram por mais dois anos (com cláusula de saída para os dois lados). Essa decisão já estava tomada e encaminhada desde as semifinais, portanto o Neto ficaria de qualquer maneira, sendo ou não campeão. Isso demonstra a total confiança e crédito que o técnico e seus auxiliares possuem com o C.R. do Flamengo.
Nossa tábua defensiva, pelo rodízio de pivôs que montamos, poderíamos ter sido mais eficazes em pontuação (sobretudo, de dentro do garrafão) e rebotes; na parte externa, muitos chutes de fora e poucas infiltrações, o que torna a equipe mais previsível; na armação, faltou um padrão e equilíbrio maiores, sobretudo em momentos cruciais e quando abríamos largas diferenças nas partidas. Porém, dois pontos importantes a serem exaltados: Grupo extremamente profissional, zero de problemas de disciplina nessa temporada. Cabe lembrar também que foi a primeira temporada no Flamengo de muitos dos atletas, que podem se adaptar mais rápido ou mais devagar, por isso a necessidade da importância do debate na formação da equipe desse ano, ou seja, de como vamos evoluir mais rapidamente com os recursos existentes em época de crise.
Ao final de cada temporada, fazemos questão de conversar olho no olho com cada jogador da equipe ou com os atletas que queremos contratar, independente do papo posterior com empresário, qualquer oferta financeira ou até dispensa. Esporte coletivo é um “negocio de gente”! Já estamos trabalhando na renovação e na busca de novos atletas.
A temporada foi dura, com intenso desgaste interno (natural de quem convive junto e se cobrando mutuamente há quatro anos) e uma dura pressão externa de todos contra o Flamengo. Como exemplo, eu, que nunca havia frequentado um tribunal esportivo, fui indiciado duas vezes (pela primeira vez na minha vida) e condenado uma vez por me insurgir contra esse estado de coisas (reclamações sempre depois de vitórias) da arbitragem, cujo nível de qualidade definitivamente não evoluiu junto com o NBB através dos anos.
Ganhamos muita coisa nos últimos anos no basquete, mas há muito a evoluir fora e dentro da quadra, até como exemplo para o desenvolvimento de todos os esportes olímpicos.
Gestão do projeto de basquete do C.R do Flamengo: Talvez seja o momento de reforçarmos a parte de gestão do basquete no clube, com mais um gerente específico para a modalidade, para se juntar ao André Guimarães (atual supervisor com excelente trabalho). Tal avanço se justifica pelo nível de importância que o basquete do nosso clube atingiu e pela premência de aceleração da melhora do trabalho na base, hoje com qualidade bem inferior ao que queremos para o Flamengo. Cabe lembrar que o Marcelo Vido, nosso Diretor Executivo de Esportes Olímpicos, líder geral desse processo, cuida de mais sete esportes, além do basquete, o que torna difícil o foco.
Quanto a mim, Alexandre Póvoa, o projeto traçado em 2013 para minha pasta, incluindo o basquete, se encerra naturalmente com o ciclo olímpico. Inclusive, em proteção ao basquete e demais modalidades, tomei a decisão consciente de não participar do último processo eleitoral do Flamengo, sobretudo após mais um exemplo de autofagia rubro-negra entre azuis e verdes. Hoje, mais do que nunca, tenho certeza que foi a postura correta, não em prol de qualquer interesse individual (inclusive os meus), mas em favor do clube, que é o mais relevante.
Estaremos trabalhando ainda muito duro até o final da Rio 2016, para que o Flamengo consiga absorver ao máximo esse legado, pavimentando o nosso caminho sem volta de nos tornarmos a maior potência olímpica do Brasil em futuro próximo. Depois disso, missão cumprida! O clube encerrará a Olimpíada com o seu departamento de Esportes Olímpicos em patamar infinitamente superior ao estado em que o encontramos. Juntamente com o estafante esforço de profissionalização e atingimento da sustentabilidade financeira, os sócios e atletas poderão desfrutar de uma evolução relevante nos equipamentos esportivos da Gávea. Com as reformas encerradas até setembro, após os fortes investimentos realizados (com recursos próprios e oriundos de leis de incentivos e comitês), nossa estrutura esportiva não ficará nada a dever em termos de qualidade a nenhum outro clube no Brasil. O nosso basquete terá sido nossa enorme alegria em termos de alto rendimento. Agradeço a todos que participaram dessa história feliz nos últimos quatro anos.
O Projeto Cuidar, a ponta do iceberg dessa estruturação, estará totalmente equipado e com o espaço pronto embaixo da arquibancada da piscina, com a inauguração do espaço prevista para setembro. Toda essa prestação final de contas virá no momento certo, logo após a Rio 2016.
Marketing e relação com a torcida: Precisamos evoluir muito ainda, mas melhoramos nesse aspecto. Já criamos o Fla-Passe que precisa ser mais divulgado mas, na verdade, a demanda inicial foi aquém da esperada, incrementamos a relação com o torcedor nos jogos em casa e vendemos 70 mil camisetas de basquete em 12 meses (a maior marca da Adidas no mundo, tirando as vendas de camisas de equipes da NBA). Projetamos, no entanto, nosso grande salto nessas iniciativas quando tivermos a nossa Arena própria, quem sabe para a NBB 10. Tenho muita esperança nisso, apesar da absurda demora na aprovação.
Para quem não sabe, nesse ano, o regulamento do NBB foi mudado em relação a uniformes por requisição do Flamengo e pudemos jogar com a camisa rubro-negra em todos os jogos no Rio de Janeiro. Aliás, mais uma história de bastidores: houve um desgaste na semifinal quando, por conta de um mal-entendido, houve uma decisão de alternar a camisa para jogarmos de branco no Rio. Imediatamente, quando o erro foi percebido, demos a contraordem para reverter a situação. Há questões técnicas em que não me meto, mas faz parte do trabalho do VP alertar sobre regras institucionais que fazem parte da mística rubro-negra que devem ser “cláusulas pétreas” no Flamengo.
Para encerrar, algumas lições aprendidas desses intensos últimos anos – Ver a torcida do Flamengo mais uma vez feliz, em tempos tão difíceis, não tem preço – Amor maior não tem igual. Agradeço a todos que nos ajudaram a tornar o basquete, definitivamente no coração de todo rubro-negro, o nosso Orgulho da Nação!
“É impossível ganhar sempre, um dia vamos perder, mas deixemos para perder na temporada que vem” - Para continuarmos vencedores, invertemos o senso comum. Para o basquete do Flamengo, o “bom é inimigo do ótimo” e não o contrário. Vamos buscar a excelência, sempre. Passamos para os diversos jogadores nesses quatro anos que vitória e Flamengo andam juntos e não há espaço para quem não absorver esse espírito vencedor nato. Como vencer sempre é, na prática, impossível em qualquer esporte, sempre repito a mesma frase – “Não vamos ganhar sempre. Um dia, é lógico que vamos perder. Mas tenho convicção que a derrota só virá na temporada que vem”.
Como eu falo isso várias vezes ao longo das temporadas, a gente vai sempre deixando para perder no ano seguinte...
A palavra cansaço é proibida de ser pronunciada no basquete do Flamengo – Foi uma temporada super-desgastante com duas viagens de ida e volta para Barquisimeto (30 horas cada), dezenas de jogos e uma sequência final de 10 partidas decisivas em 40 dias. Combinamos entre a gente que as palavras “desgaste” e “cansaço” não poderiam ser citadas, já que em absolutamente nada ajudam. Basta um falar, que contamina o grupo todo. Em nada contribui, apenas atrapalha, portanto todos seguiram à risca as recomendações da nossa competente comissão técnica para minimizar o problema e superamos as dificuldades nesse campo.
É totalmente possível sermos, ao mesmo tempo, responsáveis financeiramente e “super-campeões” esportivamente - Não há a menor contradição entre os dois objetivos; o basquete é um esporte coletivo como outro qualquer – futebol e vôlei, por exemplo – e a fórmula para se conquistar campeonatos está longe de ser apenas contratar, contratar e contratar, até porque há restrições financeiras nos esportes olímpicos. O esporte coletivo vencedor depende de um trabalho estruturado, com continuidade de filosofia, onde não há “super-técnicos”, “super-dirigentes” ou “super-atletas”. Não há o menor constrangimento para a troca de ideias entre o técnico e demais profissionais com dirigentes durante a temporada e após jogos. O debate é incentivado e da discordância saímos campeões, com todos remando para o mesmo lado. A estrela da companhia chama-se Flamengo, ao qual qualquer vaidade ou individualismo não tem o direito de se sobrepor.
Podemos ser modernos na gestão, mas temos a obrigação de respeitarmos nossas tradições e as pessoas que construíram a história do Flamengo e de buscarmos a torcida 100% para o nosso lado, sempre - Não há a menor contradição entre assumirmos o papel de um clube-cidadão e fazermos questão de termos a torcida ao nosso lado. No basquete, seguimos isso à risca, a começar pela tradição – que muitos podem chamar de “anti-moderna” – de oferecer meia-entrada para quem comparecer aos jogos com a camisa do Flamengo, nosso Manto Sagrado. Não damos absolutamente nenhuma entrada de graça, mas logisticamente ajudamos as torcidas organizadas que queiram comprar ingressos. Em tempo, em quatro anos de nossa gestão, nunca houve registro de qualquer problema fora da quadra em um jogo de basquete. Parece que a torcida aprendeu a torcer, respeitando os limites. Queremos todos juntos – desde ex-presidentes até o torcedor mais humilde, passando por grandes beneméritos, laureados e profissionais do clube - todas essas categorias estavam presentes em grande número na Arena Carioca 2 e, anteriormente, no ginásio do Tijuca.
Quanto à próxima temporada, recorramos à frase de John Wooden (1910 – 2010), o técnico mais vencedor da história do basquete universitário dos EUA:
“Para vencer uma vez, é preciso ter talento, mas para vencer sempre novamente é preciso ter caráter. Mais importante, preocupe-se mais com seu caráter do que com sua reputação, porque seu caráter é o que você realmente é, enquanto a reputação é apenas o que os outros pensam que você é”.
Definitivamente, para vestir o Manto Sagrado do basquete do Flamengo nos dias atuais, é necessário entender o que significa jogar no nosso clube. No processo de formação do elenco, antes da avaliação da qualidade técnica de um grande atleta, faz-se fundamental o escrutínio acerca do caráter do jogador como ser humano. Queremos atletas com obsessão pela vitória e que se indigne com a derrota. Uma das nossas maiores alegrias é assistir a vários ex-atletas do basquete do Flamengo ainda mantendo forte conexão com o clube, através de declarações em redes sociais. Isso mostra que o nosso trabalho fora da quadra também está funcionando, tornando o Flamengo, no basquete, um pólo de atração de grandes atletas, como em um círculo virtuoso.
Parabéns à comissão técnica e aos atletas que, apesar de todas as dificuldades internas como time e externas (todas as forças querendo nos vencer), souberam usar esse caráter como grupo para tornar o Flamengo tetracampeão (consecutivo) brasileiro de basquetebol.
Acima de tudo rubro-negro, louvemos e agradeçamos à torcida do Flamengo, nosso maior patrimônio. Até a próxima temporada com o Orgulho da Nação.
Abraços, saudações rubro-negras pelo sexto título brasileiro em nossa história,
Alexandre Póvoa
Vice-Presidente de Esportes Olímpicos do C.R. Flamengo
Vice-Presidente de Esportes Olímpicos do C.R. Flamengo
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