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sábado, 18 de junho de 2016

A bonita história do basquete do Amapá

Num país no qual a monocultura esportiva é o futebol, só quem acompanha outros esportes sabe o quanto é difícil erguer um projeto. Só quem arregaça a manga por amor ao basquete, sabe o quanto é difícil manter o esporte fora de uma grande metrópole urbana no Brasil. Imagina o quão difícil é erguer e manter a chama do basquete viva num extremo do Brasil como o Amapá, quase que inteiramente separado do resto do Brasil pela imensidão da Floresta Amazônica.

O Amapá é um estado de 143 mil km² na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, acima do estado do Pará, próximo às águas que banham a América Central. De seu territórios, 72% estão destinados a áreas de conservação de terras indígenas, não podendo por lei ser explorados por qualquer forma de extrativismo ou atividade manufatureira. Em 2014, a população de todo o estado ainda não alcançava 750 mil habitantes, uma área, portanto, de baixíssima densidade populacional.

Bandeira do Estado do Amapá

A tradição do basquete no cenário esportivo local é bem grande. A Copa Brasil Norte, competição de basquete organizada pela CBB desde 1997, tem como maior campeão da Região Norte do Brasil, por longa data, ao Estado do Amapá. Até 2011, em 13 edições disputadas, as equipes amapaenses foram campeãs em 11 delas. O estado ficou quatro edições sem conquistar o torneio, de 2012 a 2015, mas voltou a ter o campeão em 2016, com o Santos. Neste período, a equipe de maior tradição na Copa Brasil Norte foi a Sociedade Esportiva e Recreativa São José, que foi 6 vezes campeã (1997, 1998, 2001, 2004, 2007 e 2011) e 5 vezes vice-campeã (1999, 2000, 2002, 2008 e 2009).

São José
(Amapá)

E a primeira vez que uma equipe do Amapá surpreendeu além dos limites da Região Norte do Brasil foi na Supercopa Brasil de 2011, disputada no ginásio do Tijuca Tênis Clube, no Rio de Janeiro, cuja sensação foi exatamente a Sociedade Esportiva e Recreativa São José, que surpreendeu e acabou em 4º lugar, mas tendo estado muito perto de ter sido a primeira equipe amapaense a chegar a uma final de Supercopa, pois vendeu caro a derrota na semi-final para o Tijuca (88 x 83 na prorrogação, com 71 x 71 no tempo normal). Na decisão de 3º lugar, acabou derrotada por baixa margem de diferença, por 79 x 74 para o tradicional basquete de Rio Claro, campeão da Copa Brasil Sudeste, que retomava suas atividades, e tinha um histórico de já ter sido Campeão da Liga Nacional nos Anos 1990.

Os finalistas da Supercopa de 2011 foram as equipes do Tijuca Tênis Clube e da Liga Sorocabana, tendo a equipe carioca vencido a final por 77 x 73. A colocação final da Supercopa 2011 teve em 1º lugar o Tijuca, Rio de Janeiro, que era o anfitrião da disputa, em 2º lugar a Liga Sorocabana, de Sorocaba, São Paulo, em 3º lugar o Rio Claro, também de São Paulo, seguido em 4º lugar pelo SER São José, do Amapá. Em 5º lugar ficou o Campo Mourão, do Paraná, em 6º lugar o Sport Recife, de Pernambuco, em 7º lugar o Caxias do Sul, do Rio Grande do Sul, e em 8º lugar o São Camilo, do Mato Grosso. É válido notar que das equipes que ocuparam as sete primeiras posições, só o São José não conseguiu dar manutenção a seu trabalho nos anos seguintes, Tijuca, Liga Sorocabana, Rio Claro e Caxias do Sul chegaram a disputar edições do Novo Basquete Brasil (NBB). Campo Mourão e Sport Recife participaram das três primeiras edições da Liga Ouro (em 2014, 2015 e 2016), a 2ª divisão do basquete nacional.

Naquele histórico jogo entre São José e Tijuca, no qual a vitória escapou por pouco das mãos amapaenses, os destaques foram Marcos Hubner, que fez um duplo-duplo (18 pontos e 11 rebotes) e o veterano pivô, Joelcio Joerke, o Janjão, jogador com passagem pela Seleção Brasileira nos Anos 1990, tendo disputado as Olimpíadas de 1996, e que neste dia marcou 11 pontos. O experiente Janjão ainda carregava no currículo a conquista de 5 títulos da Liga Nacional; em sua carreira jogou por Franca, Mogi, Vasco, Flamengo, Uberlândia e Paulistano. Esta histórica equipe do SER São José era formada por Pablo Costa, Gustavo Ferreira, Douglas Silva, Gustavo Lino, Rodrigo Martins, Jorge Amaral, Felipe Lacerda, Gilson de Jesus, Bruno Pira, Ranier Maciel, Marcos Hubner e Janjão, treinados por Hebert Coimbra, o Betão.

Eis o relato do Blog Giro no Aro, de Alfredo Lauria e Guilherme Tadeu, feito pelo jornalista que presenciou aquele jogo no Tijuca Tênis Clube: "O basquete costuma me reservar algumas surpresas, e a noite da última quinta-feira foi uma delas. Quando eu resolvi ir ao ginásio do Tijuca Tênis Clube para acompanhar as semifinais da Super Copa Brasil, não sabia exatamente o que esperar. Pois, presenciei algumas das reações mais emocionantes que já vi no basquete nos últimos tempos. O Tijuca dominou a partida desde o início, mas sempre com uma vantagem pequena que, por muitas ocasiões, era completamente dissipada pelo São José. Coube a Timothy Benson Jr., com status de ídolo conferido pela pequena torcida, e ao veterano Ricardinho a tarefa de comandar os cariocas. O São José, por sua vez, contava com a força e a eficiência do ala-pivô Marcos Hubner para conquistar a maior parte dos seus pontos. Entrando no minuto final, o Tijuca conseguiu abrir uma vantagem confortável. Contudo, a desatenção tomou conta da equipe carioca e o argentino Gaston, que vinha tendo uma atuação muito fraca, comandou uma reação incrível: o São José tirou uma vantagem de 6 pontos em cerca de 40 segundos, levando a partida para a prorrogação. Torcida e jogadores do Tijuca ficaram incrédulos. A prorrogação começou a todo vapor, com as equipes trocando cestas de 3 pontos. No entanto, entre muitos veteranos, coube ao jovem Marcellus o papel de decidir a partida nos últimos 2 minutos, para festa do Tijuca".

Campanha do São José em 2011:

Na Copa Brasil Norte: 108 x 35 Dom Bosco (Amazonas) / 76 x 61 Uniara (Acre) / 75 x 80 Atual Centro de Ensino (Amapá) / 69 x 46 Assembléia Paraense (Pará)

Na Supercopa: 
1ª fase: 65 x 57 Campo Mourão (PR) / 58 x 68 Rio Claro (SP) / 93 x 83 Sport Recife (PE)
Semi-final: 83 x 88 Tijuca (RJ)
Decisão de 3º lugar: 74 x 79 Rio Claro (SP)

SER São José, do Amapá, 4º colocado na Supercopa 2011

Cinco anos depois o Amapá voltou a mostrar suas qualidades para o basquete, desta vez através do Santos de Macapá. Surpreendeu logo na primeira rodada, quando superou o Ponta Grossa, Campeão da Campeonato Sul-Brasileiro de 2015, torneio reunindo equipes do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Na segunda rodada perdeu para o único representante paulista, o América. Mas na terceira rodada, venceu o Clube Vizinhança, de Brasília, que vinha de duas derrotas nas duas primeiras rodadas do grupo. Com a vitória, garantiu a classificação à semi-final.

A partida que decidia a vaga na final foi contra o Botafogo, que havia ficado em primeiro lugar no outro grupo. O favoritismo era todo da equipe do Rio de Janeiro. Porém, desta vez o basquete do Amapá chegava para aprontar uma surpresa ainda maior, vencendo por 66 x 57 e avançando para fazer a final contra o Brusque, de Santa Catarina, equipe anfitriã do torneio, que na outra semi-final superou ao América de Rio Preto por 73 x 61. Paulistas e cariocas, os dois primeiros colocados em seus grupos na 1ª fase, e para muitos os potenciais finalistas do torneio, caíram na semi-final. O título seria decidido entre o time da casa e o Santos do Amapá.

O Santos superou ao Botafogo por 66 x 57 (44 x 27 no 1º tempo). O principal jogador em quadra foi o pivô Michel Silva, que com um duplo-duplo, fez 16 pontos e pegou 10 rebotes, além de ter dado 5 assistências. Assim ele definiu o jogo contra o Botafogo: “Fizemos um excelente primeiro tempo, perfeito, com uma defesa muito forte, e terminamos com a vantagem de 17 pontos. Superamos um time de qualidade e formado por jogadores experientes. Agora é descansar, focar e estudar o Brusque que vai ser um grande adversário na final. Espero conseguir a vitória e levar o título para a cidade de Macapá”. Outros destaques da equipe comandada pelo técnico Gilmar Justo na semi-final foram Gabriel de Oliveira (13 pontos) e o experiente e já rodado pivô Ricardo De Bem (10 pontos), um verdadeiro andarilho do basquete, que antes de defender o Santos, passou pela Universidade Texas Tech, dos Estados Unidos, e jogou no Olimpia e no Hebraica Macabi, do Uruguai, no Providencia, do Chile, no Casablanca, do Marrocos, no Sampaense, de Portugal, e atuou em diferentes estados do Brasil, tendo defendido ao Vitória, do Espírito Santo, à Liga Sorocabana, de São Paulo, ao Macaé, do Rio de Janeiro, ao Paysandu, do Pará, e ao Sport Recife, de Pernambuco, até chegar ao Amapá.

Satisfeito, o técnico Gilmar Justo destacou antes da final: “Para quem não acreditava que a região Norte pudesse desenvolver o basquete de alto nível e de qualidade, o Santos é uma prova viva. Conseguimos romper um paradigma, uma mudança geográfica em nosso país. O nosso time é muito determinado, marca muito e se doa os 40 minutos. Vamos enfrentar Brusque com muita seriedade. Mas já conseguimos a vaga para a Liga Ouro do próximo ano e colocamos o Amapá no centro do basquete brasileiro”.

Santos, de Macapá, a grande surpresa na Supercopa 2016

Ter conquistado o título da Copa Brasil Norte não foi suficiente para o Santos. O grupo amapaense queria mais na história. Depois de cinco dias de disputas na Arena Multiuso de Brusque, em Santa Catarina. A final era contra o anfitrião. O Santos perdeu o 1º quarto por 19 x 11, mas daí para frente não deu margem para os donos da casa. Venceu o 2º quarto por 21 x 13, indo para o intervalo com um empate em 32 x 32. No 3º quarto, um impecável 24 x 10, e um placar a esta altura já praticamente irreversível: 56 x 42. No último quarto, 12 x 8 e números finais: 68 x 50. Santos, campeão da Supercopa Brasil Adulta Masculina de Clubes 2016.

Na final, foram 27 pontos, 5 rebotes e 3 assistências do cestinha Michel Silva, escolhido o MVP da competição. O time comandado pelo técnico Gilmar Justo teve ainda como destaques na final a Cícero Gonzaga (16 pontos e 7 rebotes), Gabriel de Oliveira (9 pontos, 9 rebotes e 4 assistências) e Luiz Fernando Santos (8 pontos, 1 rebote e 2 assistências).

Campanha do Santos em 2016:

Na Copa Brasil Norte: 114 x 57 Juventus (Amapá) / 95 x 69 Trem (Amapá) / 75 x 59 Associação de Basketeiros (Amapá) / 67 x 53 Novo Basquete Jardim (Amapá)

Na Supercopa:
1ª fase: 79 x 66 Ponta Grossa (PR) / 58 x 68 América de Rio Preto (SP) / 57 x 40 Clube Vizinhança (DF). Semi-final: 66 x 57 Botafogo (RJ)
Final: 68 x 50 Brusque (SC)

Santos, Campeão da Supercopa Brasil 2016

Na temporada 2016-17, o Santos foi a primeira equipe da Região Norte do país a disputar a Liga Ouro, Segunda Divisão do basquete brasileiro. Para se inscrever na competição, o alvinegro amapaense precisou conseguir um aporte financeiro de R$ 500 mil. O esforço financeiro envolvia também todo o custo de deslocamento até o Sudeste de o Sul, onde estavam os outros cinco participantes da competição: Botafogo (Rio de Janeiro), Contagem Towers (Minas Gerais), e Joinville, Blumenau e Brusque (três de Santa Catarina).


O time lutou para se sustentar, vinha na 5ª colocação, já sem chances de avançar à semi-final, quando foi derrotado pelas dificuldades financeiras. Acabou excluído da competição. Eis a explicação da Liga Nacional de Basquete: "A decisão foi tomada pelo fato da equipe do Santos Futebol Clube-AP não vir cumprindo com suas obrigações financeiras na Liga Ouro 2017 e não ter demonstrado nenhuma condição de solucionar seus problemas e arcar com as despesas que ainda estão por vir, o que colocaria em risco não só a competição, como também as demais equipes participantes. Importante ressaltar que, antes do início da Liga Ouro 2017, a equipe do Santos Futebol Clube apresentou todas as comprovações financeiras exigidas das equipes inscritas na competição". Apagava-se a história, quase num esforço para que sua participação fosse esquecida e sequer lembrada que aconteceu. Todos os resultados obtidos foram excluídos dos registros, estatísticas apagadas, história removida, como se não houvesse acontecido.

O time que jogou a Liga Ouro 2017

A crise explodiu após a derrota para o Blumenau, no dia 7 de maio de 2017. Um dia depois, o elenco do Santos, que estava com um mês de salários atrasados, foi despejado do hotel onde estavam, por falta de pagamento das diárias tanto de sua equipe quanto dos times visitantes. O técnico precisou deixar seu carro em posse do hotel como garantia para cobrir o valor da dívida. A bonita história de luta do basquete amapaense para tentar chegar à elite do basquete nacional terminava derrotada pelo impeditivo financeiro. Pagava-se o preço pela falta de apoio para superar a enorme barreira geográfica que separava o Amapá do resto do país. Uma luta humilde e honesta. Uma perda triste para o basquete, que não conseguia realizar esta luta de inclusão.


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