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quinta-feira, 2 de março de 2017

Olimpia de Venado Tuerto: a história de uma breve fábrica de gigantes



A pequena cidade de Venado Tuerto, na Província de Santa Fé, está a 165km de Rosário e a 365km de Buenos Aires. Conhecida como "A Esmeralda do Sul", é a capital da soja argentina e tem um dos maiores PIB per capita do país. De lá, o Olimpia Basquetebol Clube viveu um caso de epopeia. Lá nasceu um breve projeto que emergiu como exemplo e modelo institucional, que viveu tempos como símbolo de grandeza esportiva, orgulho da pequena cidade, e viveu o apogeu com a proximidade à conquista do mundo, mas que terminou com um fim trágico. Um roteiro de filme hollywoodiano dramático.

O Olimpia foi um modelo institucional que marcou uma época, e serviu como incubadora para o nascimento de craques que marcaram a Geração de Ouro do basquetebol argentino. Suas quadras serviram de trampolim para Léo Gutiérrez, Wálter Herrmann, Alejandro Montecchia, Carlos Delfino e Andrés Nocioni.

Montecchia e Léo Gutiérrez comaçando no Olimpia

O Olimpia de Venado Tuerto subiu para a Liga Nacional - 1ª divisão do basquete argentino - na temporada 1991-92, após terminar a temporada de 1991 como vice-campeão do Torneio Nacional de Ascensão, atrás do Quilmes de Mar Del Plata. Na temporada 1991-92 ficou com um 12º lugar (19 vitórias em 41 jogos). Na sua segunda temporada, 1992-93, ascendeu à parte de cima da tabela, terminando em 3º lugar (32 vitórias em 51 jogos). Repetiu o 3º lugar na temporada 1993-94, com 34 vitórias em 51 jogos. Na temporada 1994-95 alcançou o vice-campeonato da liga, com Julio Lamas despontando como treinador no banco (o título ficou com o Independiente de General Pico). Na temporada seguinte, 1995-96, foi campeão argentino e sul-americano, e perdeu a final da Copa Intercontinental para o Panathinaikos, da Grécia. Logo depois disto tudo iniciou sua derrocada, cuja sequência final começou quando voltou a disputar o Torneio Nacional de Ascensão em 2000, depois de 7 temporadas na Divisão Principal. Jogou a 2ª divisão até a temporada 2006-07, e a partir de então só figurou nos Campeonatos Departamentais.

Alejandro Montecchia

Ainda ecoam por Venado Tuerto as lembranças dos mais de 3.500 torcedores que estavam presentes naquele sábado, 15 de junho de 1996, no ginásio do bairro General San Martín. Naquele frio fim de uma tarde de inverno, o time de basquete, orgulho da cidade, entrava para o panteão da história do basquete argentino, tornando-se Campeão Nacional. Se bem que o Olimpia já havia se alçado continentalmente, pois fora Campeão da Liga Sul-Americana em 30 de abril daquele mesmo 1996, numa brilhante conquista sobre o Corinthians Paulista, do lendário Oscar Schmidt.

O título de campeão da Liga Argentina foi conquistado sobre o Atenas de Córdoba, numa final muito equilibrada e jogada até o sétimo jogo da série final. O Olimpia venceu os dois primeiros jogos da série (104 x 102 e 109 x 90). Perdeu os dois seguintes (116 x 102 e 113 x 103). Venceu o quinto jogo (107 x 93) e perdeu o sexto (107 x 98). Veio então o duelo derradeiro em Venado Tuerto, com vitória por 105 x 100. O time campeão jogava com Wálter Guiñazú, Alejandro Montecchia, Jorge Racca, Sebastián Uranga e Alejandro Burgos, tendo a Horacio Seguí como técnico, e um banco de reservas com Leonardo Gutiérrez, Lucas Victoriano, Todd Jadlow e Michael Wilson. O Olimpia passava então de uma pequena agremiação de bairro, e só uma a mais na disputa da liga, a campeão e orgulho nacional. O clube ainda cruzou o Oceano Atlântico e vendeu muito caro a derrota para o campeão europeu em plena Atenas, na Grécia, sendo derrotado por 83 x 78 pelo Panathinaikos.

Olimpia de Venado Tuerto 1995-1996

A conquista do continente também foi épica. O dia 30 de abril de 1996 ficou gravado na memória dos amantes de basquete da cidade, porque em São Paulo, o Olimpia Basketball Club sagrava-se dono do melhor basquete da América do Sul, num jogo extremamente vibrante e emotivo. O Olimpia já havia vencido ao Corinthians em Venado Tuerto (112 x 97). O segundo jogo foi no Brasil, onde também se jogaria um terceiro, se eventualmente fosse necessário.

Michael Wilson

Foi com muito sofrimento. Nos segundos finais o Olimpia parecia já ter o título em mãos, quando vencia por 88 x 85. Porém, na bola derradeira, Oscar Schmidt e sua "mão santa" enfiaram uma bola de três pontos, empatando em 88 e levando a partida à prorrogação. A batalha parecia perdida. O ginásio se incendiou com a torcida corinthiana gritando a plenos pulmões. Para dificultar, o Olimpia havia perdido dois armadores com cinco faltas, Alejandro Montecchia e Lucas Victoriano. Mas os comandados de Horacio Seguí mantiveram-se fortes. Faltando 13,8 segundos, o placar apontava 100 x 98 em favor do Corinthians. Foi então que Jorge Racca acertou uma cesta certeira da linha dos três, colocando 101 x 100 no marcador. Na última posse de bola, a marcação funcionou e o cronômetro zerou. Os jogadores alvi-rubros comemoravam em quadra, a América do Sul era deles! Furiosos, os torcedores do alvi-negro paulista começaram a atirar toda sorte de objetos para dentro de quadra. Frente a tamanha desordem, a entrega do troféu não pode se dar em quadra, tendo sido feita numa sala anexa do Parque São Jorge. A milhares de quilômetros dali, Venado Tuerto explodia em frenesi, cidade que dias depois recebeu seus jogadores com uma festa apoteótica, com uma caravana de seis quilômetros de carros buzinando.

Os heróis da conquista da 1ª Liga Sul-Americana: os armadores Alejandro Montecchia e Lucas Victoriano, os alas Jorge Racca, Michael Wilson, Wálter Guiñazu e Leonardo Gutiérrez, o ala-pivô Todd Jadlow, e os pivôs Sebastián Uranga e Alejandro Burgos. O maior time da América do Sul em 1996!


Se ali era vivido o apogeu do projeto basquetebolístico de Venado Tuerto, considerado um modelo na Argentina, naquele mesmo instante também já estavam semeados os fatores que levaram à debacle do clube. O projeto de ascensão do Olimpia à elite do basquete do país foi financiado pelo Banco Integrado Departamental (BID), que existiu de novembro de 1978 até a Semana Santa de 1995, quando o Banco Central da Argentina anunciou a suspensão temporária de suas atividades, e trinta dias depois anunciou seu estado de falência. Foram encontradas fraudes, funcionários foram presos, entre eles o gerente geral Roberto Cataldi, presidente de Olimpia Basquete, que no momento que sua prisão foi decretada, estava na Grécia acompanhando a final da Copa Inercontinental.

Sem o aporte financeiro do banco, o Olimpia passou por aperto, mas manteve-se adiante. Mas o impacto era explícito. Na temporada 1996-97 terminou em 9º lugar. Na temporada 1997-98 terminou em 8º lugar. Na temporada 1998-99 terminou em 15º lugar. E na temporada 1999-00 terminou com o 16º e último posto, sendo rebaixada à 2ª divisão. Neste período, apesar de já estar em baixa, conseguiu ainda ser uma fábrica de gigantes. No seu apogeu, o Olimpia já havia sido o trampolim de dois personagens da Geração de Ouro da Seleção Argentina. Alejandro Montecchia e Léo Gutiérrez fizeram parte das conquistas da seleção nacional obtidas entre 2002 e 2004, e das duas históricas vitórias sobre os jogadores da NBA que defendiam a Seleção dos Estados Unidos. Léo Gutiérrez ainda veio a ser o recordista de títulos da Liga Argentina.

E ainda que o projeto do Olimpia tenha vivido uma grave crise de 1996 a 2000, ainda foi capaz de servir como trampolim para três outros personagens da Geração de Ouro: Carlos Delfino, Andrés Nocioni e Wálter Herrmann. O primeiro foi juvenil do Olimpia e os outros dois deram seus primeiros passos no basquete profissional defendendo a camisa da equipe de Venado Tuerto.

Wálter Herrmann começando no Olimpia 

Herrmann Campeão Olímpico com a Argentina em 2004
e Campeão Intercontinental em 2015 com o Flamengo

Passados os anos, as conclusões chegadas na rica e pacata cidade localizada na Província de Santa Fé, na terra da soja, eram de que vários fatores desencadearam a debacle. Houve falta de idoneidade de dirigentes e o fim dos aportes do banco financiador, o que obviamente muito influenciou, mas o que mais pesou foi a insistência em se manter um orçamento elevado, acima das possibilidades para a nova realidade financeira, mesmo após o fim dos aportes do BID. Os contratos mais altos foram mantidos, numa tentativa desesperada de manter o time no alto da elite do basquete nacional, tendo sido mantidos jogadores experientes como Wálter Guiñazú, Alejandro Montecchia, Jorge Racca, Sebastián Uranga, Alejandro Burgos, Leonardo Gutiérrez e Lucas Victoriano, quando a melhor opção teria sido se desfazer de alguns deles até que se voltasse a ter um aporte financeiro via fontes de publicidade. Em 1999 o clube chegou a um volume de dívida incorrigível, dali para frente não parecia haver mais saída.

Daí em diante, foram processos e processos judiciais, intervenções, tentativas de respaldo político e de levantamento coletivo de recursos financeiros. Até que em 2007 chegou-se ao processo judicial de liquidação definitiva. O Olimpia Basquete estava falido. A Prefeitura deu-lhe proteção diferenciada como clube social, esportivo e patrimônio cultural da cidade, o que serviu para que o ginásio não fosse liquidado como parte do pagamento aos credores. O Olimpia passou então à uma gestão semi-amadora, quando um grupo de pais de atletas e entusiastas passou a gerir a instituição, cujo objetivo maior passou a ser a formação moral de jovens através do esporte, e não mais a competitividade e a busca por títulos.


Nos Anos 2000, o clube caiu primeiro para o Torneio Federativo “B” e depois para o Torneio Federativo “C”. Da glória e esplendor da temporada 1995-96 a um projeto mais humilde, visando apenas oferecer uma oportunidade aos jovens para que praticassem o basquete, uma história de epopeia, que poderia perfeitamente servir como tema para um filme. Um novo clube surgiu.

As cores do clube, fundado em 26 de agosto de 1940, sempre haviam sido o vermelho e o preto, mas quando o Banco Integrado Departamental financiou o projeto que levou o Olimpia à elite, buscou-se uma logomarca mais moderna, optando-se pelo uniforme alvi-rubro. Após sua debacle, o clube voltou às suas origens, voltando a usar a camisa rubro-negra. Já era outro lugar, não era mais o mesmo clube, já não tinha mais a capacidade de ser a fábrica de gigantes do passado, de sua breve história de glórias. Uma lição do que se deve e do que não se deve fazer num projeto ousado para alçar um clube de basquete à glória.

Olimpia em 2014 

Olimpia em 2015

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