O Minneapolis Lakers e o Harlem Globetrotters eram dois times em rota de colisão. Uma equipe já tinha cerca de 20 anos de existência, a outra era recém formada e tinha menos de um ano. Mas no inverno de 1948, os dois eram considerados os dois melhores times de basquete dos Estados Unidos da América. Um só de jogadores brancos, outro só de jogadores negros.
O time de Abe Saperstein se chamava Harlem Globetrotters, o que soava sem sentido para uma equipe de Chicago. Mas o proprietário, Saperstein, tinha várias idéias na cabeça quando escolheu este nome. Ele era obsessionado por Nova Iorque, a ponto de ter um escritório alugado montado no Empire State Building tão somente para ter um endereço na cidade de Nova Iorque, o coração econômico da América. O “Harlem” era parte desta conexão com Nova Iorque, mas indicava mais do que isto, especialmente numa equipe que só tinha jogadores negros. O Harlem era o bairro símbolo da cultura negra da cidade de Nova Iorque. O nome “Globetrotters” denotava os viajantes pelo mundo, o sonho que Saperstein carregava para aquela equipe.
Quando eles entraram em quadra pela primeira vez para uma partida de basquete, em Hinckley, Illinois, em janeiro de 1927, eles eram apenas cinco jogadores de basquete a mais no país, que viajavam dentro do carro de Saperstein de uma cidade pequena para outra pelo Meio-Oeste dos EUA. Saperstein gerenciava e treinava os Globetrotters, além de entrar em quadra quando necessário para substituir algum dos cinco rapazes que houvesse se lesionado.
Durante alguns anos viajando, os Globetrotters encontraram meios para relaxar entre uma partida e outra brincando com a bola de basquete, desenvolveram técnicas que lhe permitiram aprimorar o entretenimento que davam ao público, manuseando a bola com as mãos de formas novas e inusitadas. Mas diferentemente do que se transforam anos depois, durante os Anos 1930 e 1940 eles eram uma equipe competitiva de basquete, que jogava para ganhar, a competitividade vinha na frente, e o entretenimento vinha depois.
Em 1939, eles foram convidados para jogar o “World’s Professional Basketball Championship” (Campeonato Mundial de Basquete Profissional), um torneio organizado pelo jornal Chicago Herald. Eles perderam na final para outro quinteto exclusivamente formado por jogadores negros, o New York Rens, mas os Trotters voltaram no ano seguinte para desta vez faturar o troféu e se tornar os Campeões Mundiais de Basquete Profissional.
Reece "Goose" Tatum
Quase uma década depois, em 1948, o colunista esportivo Arch Ward, um venerado nome do Chicago Tribune, escreveu que “os Trotters ainda são o melhor time de basquete do mundo”. Mas desta vez, no entanto, havia um outro grupo que se dizia o melhor time de basquete do mundo, e ele fazia parte de uma conjuntura na qual ainda não eram aceitos jogadores negros.
O Minneapolis Lakers tinha sido formado havia menos de um ano, após Ben Berger e Morris Chalfen financiarem a criação do Detroit Gems, equipe que ingressou na Liga Nacional de Basquete (National Basketball League - NBL). O Gems entrou em colapso logo, pois venceu apenas quatro dos quarenta e quatro jogos de sua primeira temporada, e deste fracasso nasceu uma dinastia no basquete, pois Berger e Chalfen decidiram mudar de cidade e recriar o projeto em Minneapolis. Ali nascia o Lakers.
Reconstruindo a franquia do zero, o Lakers contratou Don “Swede” Carlson e Tony Jaros, respectivamente estrelas das equipes da Universidade de Minnesota e da Minneapolis Edison High School. Logo em seguida, contratou Jim Pollard, estrela da equipe da Universidade de Stanford.
Durante sua primeira temporada, aconteceu um fato que alavancou a franquia em definitivo. A Liga Profissional de Basquete da América (Professional Basketball League of America) quebrou. Decidiu-se fazer um Draft envolvendo os jogadores desta liga que passaram a estar sem equipe. A disputa era para adquirir o principal jogador do Chicago American Gears, equipe mais forte da outra liga, todos desejavam o pivô George Mikan. O Lakers, por ter tido o pior desempenho no ano anterior, quando ainda era Detroit Gems, ganhou o direito de fazer a primeira escolha deste Draft e a usou para selecionar Mikan. Com ele, o Lakers se tornou um time imparável.
George Mikan
Este era o cenário quando Abe Saperstein e o gerente geral do Lakers, Max Winter, acordaram um jogo a ser disputado no Chicago Stadium em 19 de fevereiro de 1948. Nas palavras de Max Winter: “este será um dos mais memoráveis jogos de basquete de todos os tempos".
O jogo entre os Lakers e os Globetrotters seriam a partida preliminar de um jogo da Basketball Association of America (BAA) entre Chicago Stags e New York Knicks. O ginásio recebeu um público recorde de 17.823 expectadores para a rodada dupla. E o recorde não foi batido para se ver Stags vs Knicks, mas sim para ver Globetrotters vs Lakers.
Chicago era uma cidade com profundas divisões raciais. A teoria prevalecente era a de que os negros eram preguiçosos e desajeitados, e sem inteligência suficiente para jogar um jogo coletivo tão complicado e de estratégia como o basquete.
O Lakers tinha dois nomes que fazem parte do Hall da Fama do basquete, Mikan e Jim Pollard, e a equipe tinha uma vantagem sobre os Trotters, tinham vários jogadores mais altos que o pivô dos Globetrotters, Reece “Goose” Tatum. A estrela dos Globetrotters, no entanto, era Marques Haynes, que era considerado o maior manuseador de uma bola de basquete com as mãos no mundo, tamanha sua habilidade para fazer acrobacias com uma bola, girando-a nos dedos, trocando de mão com enorme velocidade. Fechavam o quinteto dos Trotters: Ermer Robinson, Wilbert King e Louis “Babe” Pressley. A equipe de Saperstein tinha melhorado muito ao longo dos anos. Ao final de 1940, os Globetrotters foram assumindo e batendo qualquer um que encaravam, ganharam fama e as multidões foram ficando cada vez maiores. Em 1948 Saperstein ostentava que sua equipe havia vencido mais de 100 jogos seguidos.
Marques Haynes
Mikan e Goose Tatum tomaram seus lugares no círculo central, agachando-se para saltar na disputa da bola inicial que seria lançada ao ar. Os fãs já estavam prontos para rir, pois sabiam que Tatum começava os jogos com uma piada, puxando para baixo as calças do pivô adversário. Em vez disso, o jogo começou como qualquer outro, era um sinal claro de que os Globetrotters encaravam com muita seriedade aquele jogo e aquele adversário.
Os Lakers começaram impondo uma vantagem de 13 x 4, mas o jogo foi logo empatado em 15 x 15. No intervalo, o Lakers estava a frente por 32 x 23. Mikan, com 18 pontos até então, mandava no jogo. Saperstein conhecia muito bem sua equipe, ele dobrou a marcação sobre Mikan no segundo tempo, e forçou sua equipe a fazer um jogo mais físico. Surtiu efeito. Mikan fez apenas 6 pontos em toda a segunda metade do jogo.
Os Globetrotters voltaram a empatar o jogo em 38 x 38. E daí para frente as equipes se alternavam na liderança, ora um dois pontos a frente, ora o outro. O jogo foi ficando cada vez mais físico. Faltando um minuto e meio, Mikan cobrou lances-livres e empatou o jogo em 59 x 59. Era hora de Marques Haynes mostrar seus talentos mágicos na habilidade de driblar, abrindo espaços para o resto da equipe encontrar uma boa posição para pontuar.
Faltando 2 segundos, Haynes encontrou Robinson perto do meio da quadra, ele deu um drible e saltou bem alto, disparando um tiro certeiro. Robinson ficou parado como uma estátua, seu braço direito no ar, a bola estava prestes a encontrar a rede do aro. O alarme tocou com a bola no ar, avisando o fim do tempo de jogo, a bola nem tocou o aro, cesta! O jogo acabou: 61 x 59. A partir dali, uma certeza: era hora de se repensar o que os jogadores negros poderiam fazer em uma quadra de basquete. Em 19 de fevereiro de 1948, o Harlem Globetrotters vencia o melhor time de jogadores brancos do país: 61 x 59.
Trotters vs Lakers
Depois deste jogo, os Lakers foram campeões da Liga Nacional de Basquete (National Basketball League - NBL) e do Campeonato Mundial de Basquete Profissional (World’s Professional Basketball Tournament), que teve naquele ano sua última edição. Na temporada seguinte, o Minneapolis Lakers passou para Associação de Basquete da América (Basketball Association of America - BAA, antecessora da NBA) juntos a três outras equipes da NBL.
Houve então um acordo para uma revanche contra os Harlem Globetrotters, Saperstein e Winter marcaram duas partidas próximas ao final da temporada 1948-49. Os Lakers reclamavam que o tiro que definiu a vitória dos Trotters no primeiro confronto havia saído das mãos de Robinson depois que o alarme de fim de jogo havia soado.
O público lotou o Chicago Stadium para a revanche, com 20.046 presentes, batendo o recorde que havia sido alcançado no primeiro duelo, e desta vez sem rodada dupla. Porém, os Lakers foram desfalcados de dois importantes jogadores, Jim Pollard e Don "Swede" Carlson estavam fora da partida contra os Globetrotters. O primeiro tempo foi mais uma vez dominado pelo Lakers, que foi para o intervalo com uma vantagem de 6 pontos. No segundo tempo, mais uma vez, os Trotters viraram para vencer por 49 x 45, regidos pelas sessões de dribles desconcertantes dados por Marques Haynes. Duas vitórias em dois jogos, os Globetrotters mudavam paradigmas vigentes no basquete e na sociedade.
Duas semanas depois, o Minneapolis Auditorium recebeu um público recorde de 10.122 expectadores, os Lakers jogaram completos, e desta vez mandaram no jogo, impondo uma confortável vitória por 68 x 53, quinze pontos de vantagem, sobre os Globetrotters. Desta vez, quem reinou com dribles desconcertantes, encantando o público, foi Don Forman. Foi a vez dos Lakers mostrarem aos Globetrotters que também jogavam um basquete de altíssimo nível.
O sucesso de público nos primeiros confrontos forçou os empresários a marcarem novos confrontos entre os Lakers e os Globetrotters nos anos seguintes. Mas os confrontos seguintes já foram sob uma nova conjuntura, que desfalcou a formação original do Harlem Globetrotters. Durante o verão de 1949, a Liga Nacional de Basquete (National Basketball League - NBL) e a Associação de Basquete da América (Basketball Association of America - BAA) se fundiram e formaram a NBA, a sigla em inglês para Associação Nacional de Basquete (National Basketball Association). A partir daí, e impactados pelas vitórias dos Trotters sobre os Lakers, um fato de extrema significância: a liga passou a aceitar jogadores negros. O Boston Celtics escolheu no Draft a Chuck Cooper, uma das estrelas do Harlem Globetrotters, abrindo a liga para jogadores de todas as raças. Na sequência, antes do início da temporada, o pivô dos Trotters, Nat “Sweetwater” Clifton, assinou com o New York Knicks.
O Minneapolis Lakers já não tinha mais a Mikan e a Pollard, ainda tiveram dificuldades diante de um Globetrotters que já estava mais concentrado em prover entretenimento e menos em jogar um basquete competitivo. Dois duelos em 1950, um em 1951 e mais um em 1952, e quatro vitórias dos Lakers sobre os Trotters.
Em janeiro de 1958, para atender aos saudosistas, os times se enfrentaram pela última vez. Os Lakers estavam mais debilitados e tinham tido seu recorde negativo de derrotas na NBA, por sua vez os Globetrotters tinham perdido suas estrelas para equipes da NBA e estavam totalmente imersos em malabarismos dentro da quadra. Neste cenário, foi um jogo muito mais de espetáculo, ao estilo Jogo das Estrelas, do que uma partida séria de basquetebol. As duas equipes não se preocuparam em nada com a defesa, bateram o recorde de pontuação da época e o Minneapolis Lakers venceu ao Harlem Globetrotters por 111 x 100.
LAKERS vs. GLOBETROTTERS
19 de fevereiro de 1948, Chicago Stadium: Globetrotters 61 x 59 Lakers
Trotters: Wilbert King (12), Marques Haynes (15), Babe Pressley (8), Ermer Robinson (17) e Reece Tatum (9).
Banco: Ted Strong (0), Ducky Moore (0), Vertes Ziegler (0) e Sam Wheeler (0).
Lakers: Herm Schaefer (5), Tony Jaros (2), Jim Pollard (18), Don Carlson (3) e George Mikan (24).
Banco: Johnny Jorgensen (1), Donald Smith (0), Jack Dwan (2) e Paul Napolitano (4).
28 de fevereiro de 1949, Chicago Stadium: Globetrotters 49 x 45 Lakers
Trotters: Marques Haynes (11), Babe Pressley (7), Ermer Robinson (6), Reece Tatum (14) e Nat Clifton (11).
Banco: Duke Cumberland (0), Ducky Moore (0), Sam Wheeler (0) e Sammy Gee (0).
Lakers: Herm Schaefer (6), Donnie Forman (6), Tony Jaros (2), Arnie Ferrin (7) e George Mikan (19).
Banco: Johnny Jorgensen (2), Ed Kachan (0), Jack Dwan (3) e Earl Gardner (0).
14 de março de 1949, Minneapolis Auditorium: Lakers 68 x 53 Globetrotters
Trotters: Marques Haynes (13), Babe Pressley (7), Ermer Robinson (2), Reece Tatum (13) e Nat Clifton (14).
Banco: Duke Cumberland (2), Sam Wheeler (2) e Sammy Gee (0).
Lakers: Herm Schaefer (11), Tony Jaros (0), Jim Pollard (9), Don Carlson (8) e George Mikan (32).
Banco: Johnny Jorgensen (0), Donnie Forman (0), Jack Dwan (0), Arnie Ferrin (8) e Earl Gardner (0).
21 de fevereiro de 1950, Chicago Stadium: Lakers 76 x 60 Globetrotters
Trotters: Marques Haynes (16), Babe Pressley (8), Ermer Robinson (7), Reece Tatum (4) e Nat Clifton (9).
Banco: Clarence Wilson (3), Johnny Wilson (2), Rookie Brown (2), Robert Crowe (8) e Bobby Milton (1).
Lakers: Slater Martin (4), Jim Pollard (12), Don Carlson (4), Vern Mikkelsen (13) e George Mikan (36).
Banco: Bob Harrison (4), Herm Schaefer (0), Tony Jaros (0), Billy Hassett (0), Arnie Ferrin (2) e Bud Grant (1).
20 de março de 1950, St. Paul Auditorium: Lakers 69 x 54 Globetrotters
Trotters: Marques Haynes (23), Babe Pressley (2), Ermer Robinson (2), Reece Tatum (1) e Nat Clifton (10).
Banco: Clarence Wilson (6), Thomas Sealy (0), Johnny Wilson (0), Rookie Brown (0), Bobby Milton (2) e Duke Cumberland (8).
Lakers: Slater Martin (5), Jim Pollard (16), Don Carlson (0), Vern Mikkelsen (18) e George Mikan (21).
Banco: Bob Harrison (0), Herm Schaefer (0), Tony Jaros (0), Billy Hassett (3), Arnie Ferrin (6) e Bud Grant (0).
23 de fevereiro de 1951, Chicago Stadium: Lakers 72 x 68 Globetrotters
Trotters: Marques Haynes (12), Babe Pressley (6), Ermer Robinson (18), Pop Gates (9) e Rookie Brown (11).
Banco: Clarence Wilson (4), Zach Clayton (4), Bobby Milton (1), Duke Cumberland (2) e Josh Grider (1).
Lakers: Slater Martin (10), Jim Pollard (5), Tony Jaros (3), Arnie Ferrin (3) e George Mikan (47).
Banco: Bob Harrison (3), Kevin O'Shea (1) e Bud Grant (0).
2 de janeiro de 1952, Chicago Stadium: Lakers 84 x 60 Globetrotters
Trotters: Marques Haynes (6), Babe Pressley (10), Sam Wheeler (11), Ermer Robinson (12) e Reece Tatum (13).
Banco: Clarence Wilson (6), Bobby Milton (1), Josh Grider (0), Showboat Hall (0) e Rookie Brown (1).
Lakers: Slater Martin (17), Whitey Skoog (5), Jim Pollard (6), Vern Mikkelsen (25) e George Mikan (25).
Banco: Bob Harrison (0), Joe Hutton (4), Howie Schultz (0) e Lew Hitch (2).
3 de janeiro de 1958, Chicago Stadium: Lakers 111 x 100 Globetrotters
Trotters: Charles Hoxie (17), Tex Harrison (13), Williams (8), J.C. Gipson (14) e Andy Johnson (37).
Banco: Clarence Wilson (2), Honey Taylor (0), Ermer Robinson (0), Thomas Spencer (4) e Roman Turmon (5)
Lakers: Bob Leonard (12), Rod Hundley (7), Vern Mikkelsen (8), Jim Krebs (22) e Larry Foust (30).
Banco: Dick Garmaker (6), Walter Devlin (1), Art Spoelstra (1), Ed Fleming (15) e Dick Schnittker (9).
Veja também aqui: Os Harlem Globetrotters e a popularização mundial do basquete
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