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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Falta ainda mais proatividade ao basquete brasileiro

por Marcel Pereira


Uma pequena constatação na diferença na forma de pensar desenvolvimento do jogo de basquete entre o basquete brasileiro e o argentino já explica muito em relação a porque o esporte da bola laranja no Brasil perde cada vez mais espaço no cenário internacional. Enquanto o basquete brasileiro se perde nas discussões de calendário, na disputa territorial entre clubes e federações, no mambembe modelo de campeonatos estaduais infrutíferos e economicamente inviáveis, enquanto se perde no debate ter ou não ter técnico estrangeiro, ter ou não ter espaço para estrangeiros, enquanto celebra o básico que é ter equilíbrio financeiro na CBB, enquanto tem enorme dificuldade para ir adiante, quem pensa grande, colhe frutos. Por mais que os últimos anos tenham semeado boas iniciativas no cenário nacional, com a solidificação da Liga Nacional dos Clubes (NBB), da Liga de Desenvolvimento e dos Campeonatos Interclubes de Base da CBB e do CBC - todas grandes conquistas - ainda assim uma olhada para o lado mostra como ainda falta pensar ainda maior.

Ainda que estejamos prestes a ver o nascimento de outra grande iniciativa, uma "Liga Três Nações" de clubes - co-organizada por Argentina, Brasil e México - que está no forno e quase pronta para ser anunciada (iniciativa de grande felicidade e criatividade, um tanto espelhada em iniciativas como a Liga Adriática e a Liga Báltica) ainda assim o basquete brasileiro poderia ser espelhar em outras iniciativas que buscam maior grandeza e evolução técnica e tática. Uma olhadela no que alguns clubes argentinos fizeram em suas Pré-Temporadas nos últimos anos deveria inspirar os clubes brasileiros a serem mais proativos.

O maior exemplo de pensamento grandioso no basquete argentino recente é sem dúvida alguma o San Lorenzo, atual Tri-campeão Argentino e Campeão da Liga das Américas. O clube tem apresentado um perfil agressivo: na última temporada foi contratar dois jogadores com bastante rodagem na NBA (DeJuan Blair e Joel Anthony) que não tiveram passagem exitosa com a camiseta azul-grená, mas são a prova de um clube que pensa grande. E este pensamento grande e cosmopolita também pode ser visto nas Pré-Temporadas 2016, 2017 e 2018 do clube dominante no cenário argentino atual.

Na Pré-Temporada 2016, o San Lorenzo teve a oportunidade de ser o primeiro e até hoje único clube da Argentina a participar da Pré-Temporada da NBA. Em 14 de outubro de 2016 foi ao Canadá para enfrentar ao Toronto Raptors. Acabou derrotado por 122 x 105 na Air Canada Centre, em Toronto. Até aqui nenhuma novidade frente aos brasileiros que foram até antes à Pré-Temporada da NBA, com o Flamengo enfrentando a Pheonix Suns, Orlando Magic e Memphis Grizzlies em 2014 e de novo ao Orlando Magix em 2015, mesmo ano em que o Bauru enfrentou a New York Knicks e Washington Wizards, e o Flamengo em outubro/18 voltando a enfrentar o Orlando Magic. A parceria entre NBA e NBB semeou estas grandes experiências, mas além desta iniciativa de fora para dentro, pensada nos escritórios da NBA nos Estados Unidos, os clubes brasileiros não tiveram qualquer iniciativa de buscar proativamente ao mercado externo. O San Lorenzo não voltou a ser convidado pela NBA, mas não se acomodou, planejando ousadas Pré-Temporadas para sua equipe em 2017 e em 2018.

Em 2017, o San Lorenzo viajou à Espanha e obteve espetaculares resultados. O desejo por grandiosidade não foi contido, o clube sonhava alto. O San Lorenzo acertou uma Pré-Temporada de luxo na Espanha, duelando contra a elite do basquete mundial. Em 12 de setembro de 2017 enfrentou no Polidesportivo Príncipe Felipe, em Arganda del Rey, localidade a 27 km de Madrid, e venceu ao Real Madrid (84 x 81) que tinha em quadra a Facundo Campazzo, Santi Yusta, Rudy Fernández, Trey Thompkins, Gustavo Ayón, Fabien Causeur, Jaycee Carroll, Jeffery Taylor, Jonas Maciulis e Felipe Reyes, um elenco estelar. Três dias depois, no Polidesportivo Municipal de Balaguer, em Lleida, no oeste da região da Catalunha, a 150 km de Barcelona, o San Lorenzo de Almagro teve outra atuação histórica, fechando aquela que a imprensa argentina batizou como "um giro dos sonhos". O time argentino venceu ao Barcelona por 95 x 85, ignorando o timaço catalão que tinha a Ante Tomic, Adrien Moerman, Thomas Heurtel, Aleksandar Vezenkov, Volodymyr Gerun e Rodions Kurucs.

Na Pré-Temporada 2018, o San Lorenzo voltou a ter a oportunidade de fazer uma preparação inovadora. Nas Bahamas, na América Central, o time argentino disputou o Torneio Big Blue, organizado pela Universidade de Kentucky, uma das mais tradicionais escolas da Liga Universitária dos EUA. Também teve a oportunidade de enfrentar ao Mega Bemax, equipe da Sérvia. O organizador do torneio, o Kentucky Wildcats, faz parte do Big Four de maior tradição na história da NCAA: 8 vezes campeão, atrás só da UCLA (11 títulos); e a frente de North Carolina (6 títulos) e Duke (5 títulos). O UK Wildcats foi 12 vezes finalista, assim como a UCLA (North Carolina e Duke foram 11 vezes), e jogou 17 vezes o Final Four.

O primeiro confronto nas Bahamas foi contra o UK Wildcats, em 9 de agosto de 2018 o San Lorenzo acabou derrotado por 91 x 68 na Atlantis Resort’s Imperial Arena, em Paradise Island, Ilha de Nassau. Diante do Mega Bemax (na temporada 2017-18: 5º lugar na Liga Sérvia e 9º lugar na Liga Adriática), depois de perder as três primeiras parciais e entrar no último quarto com uma desvantagem de 7 pontos, com uma atuação agressiva na primeira metade do quarto final, o San Lorenzo forçou erros do adversário e virou o jogo, vencendo por 85 x 83.

Não foi só o San Lorenzo quem pensou grande no basquete argentino. Quem também rumou em 2018 pela segunda vez consecutiva para fazer uma Pré-Temporada ousada foi o Obras Sanitarias. Em 2017 o clube fez 7 jogos amistosos contra equipes da Liga ACB, tendo obtido 3 vitórias e 4 derrotas. Em 2018, voltou ao solo europeu para uma pré-temporada com uma série de jogos na Península Ibérica. No primeiro duelo, venceu em Madrid ao Breogán, campeão da Leb Oro na temporada 2017-18, por 76 x 65. No segundo jogo foi a Caminha, em Portugal, e venceu ao Porto por 71 x 67. Voltou a Madrid e enfrentou ao UCAM Murcia, 10º colocado entre os 18 participantes da temporada 2017-18 da Liga ACB. O time argentino acabou derrotado por 79 x 65, em sua única derrota no seu giro pela Europa. Um novo confronto contra o UCAM, desta vez em Oviedo, dias depois, terminou numa grande vitória do time argentino por 88 x 78, em seu melhor desempenho nos quatro primeiros amistosos na Europa. O time fez três jogos em três dias seguidos em Oviedo. No dia seguinte da vitória sobre a Universidad Católica de Murcia, o Obras venceu ao Oviedo, 4º colocado da Leb Oro na temporada 2017-18, por 85 x 80. No dia seguinte, o adversário foi o tradicional Joventut de Badalona, que na temporada 2017-18 da Liga ACB havia terminado na 15ª colocação. Os argentinos ganharam por 78 x 70. Três jogos em três dias e três vitórias! Para fechar a exitosa turnê, o último amistoso foi frente ao Real Bétis, 18º e último colocado na Liga ACB 2017-18 e que jogará a temporada 2018-19 na Leb Oro. O Obras venceu por 78 x 73, fechando seu giro de grande sucesso pelo solo europeu. Foram 7 jogos e 6 vitórias! Uma turnê muito boa, ainda que menos badalada do que as Pré-Temporadas do San Lorenzo, com um planejamento bastante interesse para dar mais experiência aos jogadores, técnico e auxiliares e à própria agremiação.

No saldo de confrontos entre equipes da Argentina e da 1ª Divisão da Espanha entre 2014 e 2018 o melhor desempenho foi dos argentinos, e isto não é pouca coisa. Em 2014, o Peñarol venceu ao Saski Baskonia por 79 x 78 em Mar Del Plata. Em 2017, o Obras jogou duas vezes contra o Joventut em Badalona, perdendo por 76 x 67 e vencendo por 82 x 74; depois perdeu para o Real Bétis por 106 x 95 em Sevilla, venceu ao Fuenlabrada por 88 x 82, venceu ao Gipuzkoa por 59 x 57 em San Sebastián, perdeu para o Burgos por 87 x 85 e para o Murcia por 73 x 66. Também em 2017, o San Lorenzo foi à Espanha e venceu ao Real Madrid em Arganda del Rey e ao Barcelona em Lérida. No tour de 2018 do Obras, foram quatro duelos contra equipes da 1ª Divisão Espanhola: vitória sobre o Breogán por 76 x 65, uma derrota (79 x 65) e uma vitória (88 x 78) para o Murcia, e uma vitória sobre o Joventut Badalona. Portanto, em 14 partidas de times da Argentina contra equipes da Liga ACB, os argentinos venceram 9 vezes e os espanhóis 5 vezes. Excelente desempenho sul-americano!

Tanto San Lorenzo quanto Obras Sanitarias deram ótimos exemplos de uma mentalidade vencedora na gestão esportiva, desenvolvendo uma estratégia que dá alavancagem ao mesmo tempo tanto para o nível de desenvolvimento técnico de jogadores e comissão técnica quanto para a exposição internacional de suas respectivas marcas. Ações de referência a serem seguidas por outras instituições esportivas da América do Sul. O esporte brasileiro está afundado numa mentalidade provinciana, pensando pequeno, de forma acanhada, sem ousadia, sem atitude de grandeza. Enquanto não mudar isto, ficará cada vez mais para trás. Num passado longínquo, a nível mundial o basquete do Brasil só ficava atrás de Estados Unidos, União Soviética e Iugoslávia. A geografia mundial mudou, estas duas últimas se dividiram em várias nações, e ao mesmo tempo outros países emergiram e alavancaram o nível técnico do basquete de suas seleções, como Espanha, Argentina, Grécia, França... o Brasil foi ficando para trás e estar entre os 10 melhores a nível mundial virou exceção. Agora a nível continental, o basquete brasileiro vê EUA, Canadá e Argentina bem a frente, e se contenta em disputar posição com Porto Rico, Venezuela, México, Uruguai e República Dominicana. Será que precisará ter dificuldade para estar entre os 8 mais fortes das Américas para só então despertar para o quão urgente é voltar a pensar grande? Até quando o esporte brasileiro seguirá refém do status quo nacional de clientelismo político-provinciano das federações estaduais? Os clubes têm que reclamar, sim, mas têm que fazer muito mais do que isso, têm que sair da inércia e pensar grande! Muito já foi feito com o NBB e a LDB, mas os argentinos estão dando o exemplo de que é preciso ainda mais Proatividade para alcançar um nível técnico condizente à evolução do jogo...



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