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terça-feira, 21 de agosto de 2012

O dia em que a terra parou: Brasil 120 x 115 EUA

1987 PanAmerican Games: Brazil 120 vs 115 USA

Essa noite eu tive um sonho de sonhador, maluco que sou, eu sonhei com o dia em que a terra parou ... com estas palavras o cantor-filósofo-poeta Raul Seixas narra um fantasioso dia em que o mundo inteiro perceberia que nada parecia fazer sentido.

E o dia 23 de agosto de 1987 foi um dia desses em que nada pareceu fazer sentido. Pelo menos para o mundo do basquete. O Brasil vencia os EUA por 120 x 115 e faturava a Medalha de Ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1987, em Indianápolis. Era a primeira derrota dos EUA em seu território, a primeira vez que uma seleção norte-americana levava mais de 100 pontos.

Para entender a dimensão daquela vitória, é preciso recapitular a história: no basquete, para os EUA o que realmente importava eram os Jogos Olímpicos, em 11 edições antes de 1987, ainda que sempre com uma Seleção de Universitários, os norte-americanos tinham 9 Medalhas de Ouro. Tinham perdido a final de 1972 para a União Soviética, numa partida com final controverso, em que os EUA se consideraram tão prejudicados que jamais apareceram para buscar a Medalha de Prata, e não haviam disputado os Jogos de Moscou, em 1980. Para eles, portanto, é como se nunca tivessem perdido, porque para Campeonato Mundial nunca deram muita importância.

Para Jogos Pan-Americanos nunca deram lá muita relevância também, ainda que em 9 edições até ali, houvessem sido campeões em 8. De qualquer forma, por aqueles jogos estarem sendo dentro dos EUA, eles estavam com o melhor time de basquete universitário que tinham naquele momento, o time que jogaria as Olimpíadas de 88. Era impensável cogitar que o Ouro não seria dos EUA. Havia 16 mil torcedores no ginásio, todos imaginavam já saber quem seria o vencedor naquele dia.

O Brasil, na 1ª fase, venceu por 110 x 79 ao Uruguai, por 100 x 99 a Porto Rico, por 103 x 98 a Ilhas Virgens e perdeu por 88 x 91 para o Canadá.

Nas quartas de final, vitória por 131 x 84 sobre a Venezuela. Na semi-final, vitória por 137 x 116 no México, que eliminou o Canadá nas quartas. Na outra semi-final, os EUA venceram a Porto Rico por 80 x 75. Final: EUA x Brasil.


O mais fantástico do jogo foi a virada brasileira, à base de cestas de três pontos de Oscar e Marcel. O Brasil chegou a estar 22 pontos atrás no placar. O primeiro tempo terminou 68 x 54 para os EUA. Oscar e Marcel, juntos, somaram 55 pontos só no segundo tempo (fizeram 77 no jogo todo). Dos 55 pontos no 2º tempo, 35 foram de Oscar e 20 de Marcel. No jogo todo, Oscar acertou 7 arremessos de três pontos em 15 tentativas. Marcel acertou 6 em 10 tentativas. Foram 39 pontos naquele jogo convertidos em cestas de 3 destes dois jogadores. Da linha dos três, aquele jogo foi 39 x 6 para o Brasil, e isso fez a diferença e viabilizou a histórica e fantástica virada.


Aquele jogo começou a mudar o pensamento norte-americano e a história do basquete. Com a derrota de 1987, mais a derrota em 1988 nas Olimpíadas, os EUA entenderam que não dava mais para mandar os meninos universitários. É possível tratar essa revolução como um certo ufanismo. No entanto, as palavras de quem perdeu aquela final demonstram a importância daquele resultado. Depois de perder o Pan de 1987, os Estados Unidos não conseguiram conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988. Os universitários ficaram apenas com o bronze. Até então, os norte-americanos só não haviam conquistado o ouro uma única vez, em 1972, quando foram derrotados pela União Soviética na final. Após a derrota no Pan e o bronze em Seul, decidiram brigar para levar os profissionais que atuavam na NBA. Era o nascimento do "Dream Team". Com a liberação da Federação Internacional, criou-se o time dos sonhos com Michael Jordan, Magic Johnson e Larry Bird, coroado com a conquista dos Jogos de Barcelona, em 1992.

Palavras de David Robinson, pivô naquele time dos EUA em 1987, um dos maiores jogadores da história do San antonio Spurs, e que fez parte do Dream Team dos EUA nas Olimpíadas de 1992: "Aquela derrota foi fundamental para que os Estados Unidos criassem o Dream Team para as Olimpíadas de Barcelona 1992. Quando perdemos para o Brasil, nós vimos o quanto o basquete internacional havia evoluído. Eu até me sinto lisonjeado por ter perdido aquela final do Pan para o Brasil e jamais esqueci daquele dia. Depois, nós ainda acabamos ficando com a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Seul 1988 e ficou realmente claro que precisaríamos criar a seleção mais forte possível. Fiz parte de times fenomenais, o Dream Team foi um deles, ganhamos de novo em 1996, mas também fui parte de 87, que perdeu nos Jogos Pan-Americanos e era algo inusitado para os Estados Unidos perder, e também de 1988, que perdeu nos Jogos Olímpicos, e ainda mais inusitado. Nossa única derrota havia sido em 1972, e com muita polêmica. Ser o primeiro a perder nos Jogos Olímpicos sem polêmica é distinção dúbia. Você não quer fazer parte disso. Mas me ensinou muito e me fez ser um jogador melhor. Marcel e Oscar jogaram muito bem, todas as bolas deles acabavam caindo e o Brasil mereceu aquela vitória. O Oscar brilhou realmente. Não jogamos o suficiente para vencê-los e os brasileiros ganharam na nossa casa, em Indianápolis. Foi um jogo fenomenal para o Brasil. Impressionou todo mundo naquela época. As performances de Oscar ao longo dos anos foram lendárias. De uma certa forma, ele estava à frente de seu tempo e você sempre gosta de ver caras que estão fora do lugar, que são parte do futuro. Ele se daria bem na NBA do fim da década de 2010, na qual todo mundo gosta de arremessar a bola, em ataques rápidos. Ele era um expert nisso".


A dinâmica daquele jogo foi brilhantemente ilustrada na arte reproduzida abaixo, de autoria do GloboEsporte.com:

1º TEMPO


2º TEMPO

Naquela final, o Brasil converteu 10 bolas de três em 25 tentativas, algo fora do comum para a época. No basquete internacional, a linha de 3 pontos havia sido instituída três anos antes do Pan. Curiosamente, a NBA já a utilizava, com uma distância maior, desde 1979, mas ainda longe de ser parte da estratégia do jogo como acontece atualmente. Os universitários, que formaram a seleção americana, haviam jogado com a linha de 3 pontos apenas na temporada 1986/87.


A ficha da decisão

Brasil: 120
Guerrinha (2), Marcel (31), Oscar (46), Gerson (12) e Israel (12).
Depois: Mauri (--), Cadum (8), Paulinho Villas Boas (7), Rolando (0) e Pipoka (2).
Técnico: Ari Vidal

Estados Unidos: 115
Keyth Smart (12), Rex Chapman (17), Willie Anderson (16), Danny Manning (14) e David Robinson (20).
Pooh Richardson (7), Fennis Dembo (3), Jeff Lebo (7), Pervis Ellison (13) e Dean Garrett (4). Ricky Berry (2) e Jerome Lanne (0).
Técnico: Denny Crum


Pontuação do Brasil durante o Pan de 87:
Guerrinha (55 pts), Marcel (187), Oscar Schmidt (249), Israel (78) e Gérson Victalino (62).
Maury (12), Cadum (47), Paulinho Villas-Boas (47), Pipoka (23) e Rolando (12). Silvio (6) e André Stoffel (11).


Os 12 Heróis:

Gérson Victalino
Com experiência dos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, e já tendo disputado o Pan de 1983, em Caracas, Gerson foi um pivô extremamente atlético que naquele momento ainda estava dando seus primeiros passos na Seleção Brasileira. Na sequência, o camisa 6 daquela conquista histórica viria a disputar ainda mais dois Jogos Olímpicos com o Brasil, 1988, em Seul, e 1992, em Barcelona .

Israel
Outro pivô daquele grupo, Israel também fez parte do grande time do Monte Líbano anos antes do Pan de 87. Pela Seleção, o atleta de 2,06m de altura já tinha experiência dos títulos sul-americanos de 1983 e 1985 e da prata diante dos norte-americanos nos Jogos Pan-Americanos anterior, em Caracas.

Pipoka
O mais jovem daquele grupo, Pipoka era mais um daquele Monte Líbano. Aos 23 anos no Pan de 87, o ala/pivô buscava se afirmar como um dos grandes nomes do basquete nacional naquela ocasião. Mais certo impossível. Na sequência de sua carreira, Pipoka teve uma passagem pelo Dallas Mavericks da NBA, com uma atuação oficial, e permaneceu na Seleção Brasileira até 1998.

Guerrinha
Um dos mais famosos daquele time para o grande público, muito pela sua carreira como técnico, Guerrinha tinha 28 anos no Pan de 87 e também fez parte da prata em Caracas 83. Ao encerrar sua carreira como jogador, ele seguiu no basquete e é hoje um dos treinadores mais vencedores e respeitados do Brasil.

Marcel
Já com o histórico de herói do bronze brasileiro no Mundial de 1978, nas Filipinas. Marcel era um dos grandes nomes daquele grupo, seja pela sua qualidade ou por sua bagagem como jogador. Além do pódio no Mundial, o ala tinha em seu currículo os ouros no Sul-Americano de 77, 83 e 85 com a Seleção, e o título mundial de clubes de 79 com o Esporte Clube Sírio.

Maury
Irmão mais novo de Marcel, Maury era um dos mais jovens jogadores daquela Seleção, e diferentemente dele, era armador. Na época, ele ainda buscava se firmar, como seu irmão, entre os grandes nomes do basquete brasileiro. Na sequência de sua carreira, Maury participou de dois Jogos Olímpicos (1988 e 1992) e três Mundiais (1986, 1990 e 1994) com a camisa verde e amarela. No entanto, na grande decisão, estava doente, com sarampo, e não atuou.

Oscar Schmidt
Já uma unanimidade na época, Oscar dispensa apresentações. Em 1987, o ala já havia consolidado sua história no basquete nacional, principalmente nos anos de Sírio e pelas atuações com a Seleção, e internacional, atuando na Itália. Três anos antes, o eterno camisa 14 havia sido recrutado para a NBA e recusado a proposta. Após aquele Pan, Oscar ainda disputou mais um Mundial (1990) e três Jogos Olímpicos (1988, 1992 e 1996).

Paulinho Villas Boas
Peça fundamental dos grandes times do Sírio e do Monte Líbano, Paulinho chegou ao Pan de 87 já com o histórico de campeão do Pré-Olímpico de 1984 e do Sul-Americano de 1985, além da quarta colocação no Mundial de 1986. Após o título contra os norte-americanos, o ala veio a disputar dois Jogos Olímpicos (1988 e 1992) e um Mundial (1994) com o Brasil.

Cadum
Armador de 2,00m de altura, Cadum já havia disputado dois Jogos Olímpicos (1980 e 1984) e um Mundial (1982) com a Seleção. Peça fundamental naquele grupo, o camisa 9 ainda defendeu o uniforme verde e amarelo por mais cinco anos, participando das Olimpíadas de Seul (1988) e Barcelona (1992), e do Mundial da Argentina (1990). Com a ausência de Maury na grande final teve papel fundamental na vitória brasileira.

Rolando
O “gigante” daquela geração, Rolando vinha se afirmando na Seleção naquele momento, com passagens anteriores pelo Pré-Olímpico de 1984, o Sul-Americano de 1985 e o Mundial de 1986. Após àquele Pan, o pivô de 2,14m de altura se tornou o primeiro atleta brasileiro a jogar na NBA, ao disputar 12 partidas da temporada de 89/90 pelo Portland Trail Blazers.

Sílvio Malvesi
Outro pivô daquele grupo, Silvio já tinha acumulado muita história com o uniforme verde e amarelo até ali. Vice-campeão mundial juvenil em 1979, bicampeão sul-americano em 1983 e 1985, e presente nos Jogos Olímpicos de 1984 e no Mundial de 1986, a conquista do título diante dos Estados Unidos no Pan de 1987 foi a última apresentação do jogador com a Seleção Brasileira.

André Stoffel
Pivô de 2,03m de altura, André fez parte da época áurea do Clube Atlético Monte Líbano durante a década de 80, que resultou em dois títulos sul-americanos, cinco brasileiros e três paulistas. Pela Seleção Brasileira, André já acumulava história quando chegou ao Pan de 87, aos 27 anos de idade, com sete anos de experiência com a camisa verde e amarela e participação nos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscou, e Mundial de 1982, na Colômbia.

Um comentário:

  1. O grande pivõt Israel jogou em Portugal pelo Sporting de Lisboa,onde foi Campeão da Liga Portuguesa de Basquetebol

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