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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A Revolução do Basquete Argentino


A segunda colocação da Argentina no Mundial de Indianápolis em 2002 surpreendeu o mundo do basquete internacional, e transformou o basquete numa febre dentro da própria Argentina, fazendo todos buscarem entender o que havia transformado resultados até então bastante medianos a nível internacional naquele sucesso, que se manteve de forma consistente nos anos seguintes. O retrato desta revolução no basquete é contado através de um repasse pela história do basquete na Argentina.

O técnico León Najnudel detestava escutar a um colega treinador pregar como um autoelogio: "Eu fiz o fulano". Agarrava então à sua inseparável e volumosa carteira e buscava as fotos de seus filhos - Nicolás e Iván - para ironizar: "Eu somente fiz a estes dois na minha vida. Todo o resto é uma grande mentira, porque nenhum treinador produz a um jogador de basquetebol".

Sua sútil reação estava relacionada diretamente com o conceito que ele ensinava: "Um jogador é filho de três fatores, segundo sua ordem de incidência: 1) suas aptidões potenciais (o que traz desde o berço); 2) o meio entorno no qual compete; e 3) a influência de seu treinador".

Foi sobre esta definição que se sustentou a criação da Liga Nacional da Argentina. León destacava que "depois do inato, vem a importância da qualidade da competição interna como o mais decisivo para o crescimento técnico; além de sempre ter entendido e repetir que os jogadores argentinos estavam muito dispersos por todo o país, o que fazia que não pudessem competir entre os melhores e contra os melhores, não havia quantidade nem qualidade de competição". Compartilhou esta ideia com José Maria Félix "Yo­yo" Cavallero, treinador e amigo, que trazia uma experiência no basquete da Espanha nos Anos 1970.

Assim lançaram a Liga Nacional numa sexta-feira, 17 de setembro de 1982, em Buenos Aires, numa iniciativa da Revista El Gráfico. Proposta: "revolucionar o basquetebol argentino". A aprovação na Confederação Argentina de Basquete foi conseguida por unanimidade (14 votos a 0), após uma luta por 18 meses, numa quinta-feira, 15 de março de 1984, na Assembleia Extraordinária realizada em Posadas.

Mundial 2002: Manu Ginóbili abraça a Pepe Sánchez
em frente a Victoriano - A Medalha de Prata


Formosa, 26 de março de 1983: a palestra de León Najnudel que esclarecia ao país. Na primeira fila assistiam Horacio Muratore, futuro presidente da CABB e membro do Central Board da FIBA:


Em 30 de abril de 1983 se realizou a primeira reunião de clubes para a gestão de "Chungo" Butta, histórico dirigente do Echague de Paraná. A Declaração do Paraná foi assinada e destacava: "Que o aperfeiçoamento da competição interna resultará numa elevação do máximo objetivo buscado: o maior nível da Seleção Nacional".

A primeira definição, em 1984, foi a de que o Campeonato Argentino de Clubes, que se disputaria na sequência, serviria de classificação para a Nova Liga, colocada sob o jargão de "etapa de transição", organizando-se a 80 equipes participantes em três níveis de uma "pirâmide competitiva", com os níveis "A", "B" e Regional. O campeão deste torneio foi o Deportivo San Andrés. Enfim a Argentina tinha a um campeonato de basquete atraente, único, estável e nacional, sendo jogado por toda uma temporada durante 9 meses.

O sonhado dia de início foi uma sexta-feira, 26 de abril de 1985, com três partidas da primeira rodada. O salto inicial de honra foi concedido ao próprio Najnudel, uma justa recompensa por ter sido o propulsor da proposta – numa partida entre San Lorenzo vs Argentino de Firmat, realizada no Ginásio do Obras Sanitárias (entre os 16 participantes, estas equipes terminaram em 14º e 11º lugares, respectivamente, naquela temporada). Em outro encontro, o Atenas de Córdoba, que viria a ser 7 vezes campeão, jogou em Bahía Blanca contra o Pacífico, no Ginásio do Independiente, um ginásio tão pequeno, que naquele dia os jogadores cordobeses tiveram que fazer seu aquecimento na rua. As dimensões da quadra não estavam dentro dos limites que Mario Milanesio afirmou com o tradicional humor cordobês: "Para arremessar de três desde a zona morta, um tem que ser como Charles Chaplin e colocar os pés na horizontal, porque as linhas se juntam uma sobre a outra...". A falta de uma boa infraestrutura geral ainda era uma marca pendente, e que avançava lentamente.

Sexta-feira, 26 de abril de 1985, a primeira bola ao alto, das mãos
de Najnudel, eEnfrentavam-se na bola ao alto: Goggings (Argentino de Firmat)
 e Stanford (San Lorenzo)


Na coleção da Revista El Gráfico, assim está descrito o que acontecia na Argentina naquele momento: “Foi uma verdadeira explosão, que demonstra que o basquete sobrevive no país". Além de ter sido um caso de verdadeira federalização do esporte no território argentino.


FERRO, O PRIMEIRO GRANDE
A competição adotou também uma prática presente já em quase todo o mundo naquele momento: incluir jogadores estrangeiros - fundamentalmente norte-americanos - nos plantéis. Por que?

Porque, oriundos de um basquete com nível superior, contribuíam para aumentar e sustentar a qualidade técnica do espetáculo, ajudando como rivais ou companheiros de equipe no desenvolvimento dos jogadores nacionais, em busca de mais paridade a nível internacional. Nas 18 primeiras temporadas - entre 1985 e 2002 - a Liga Nacional Argentina registrou 1.190 vagas ocupadas por estrangeiros, tendo 145 deles tido passagem pela NBA, 10 dos quais tendo conseguido obter um anel de campeão na NBA. Em alguns casos, primeiro chegaram à Argentina, e depois foram à NBA.

O primeiro craque da Liga: Miguel Cortijo.
Uma temporada no Ferro.


O primeiro bi­campeão, em 1985 e 1986, foi o Ferro Carril Oeste, de Luis Martínez, que aproveitou o impulso gerado por Najnudel em Caballito a partir de 1976, permitindo que um clube argentino fosse campeão sul-americano pela primeira vez.

Era a época na qual brilhava o santiaguino Miguel Cortijo, o primeiro craque da Liga Argentina. Como descreveu Martínez: "Jogávamos com três norte-americanos, o terceiro era o Miguel", comparando o nível técnico do companheiro ao dos estrangeiros importados pelo Ferro.

O primeiro título da Liga Nacional foi conquistado a partir da troca dos dois norte-americanos do elenco, saíram os lentos Brent Tillman e McFarlan, e entraram Glenn Mosley, um ex-NBA, e Ron Charles, gerando a facilidade à equipe de contar com quatro "torres" juntas em quadra: Uranga, Mosley, Charles, Tourn ou Maggi. Com a riqueza de um plantel com "duas usinas" na criação, porque a Cortijo se somava Gabriel Darrás. "Era como um carburador de dupla boca", exaltava o então assistente-técnico César Putallaz.

A largada tinha sido muito preguiçosa do campeão. Martínez conta uma curiosa história: "A equipe tinha destruído a Tillman, que realmente não sabia jogar, e por causa disso o resto dos garotos se rebelaram. No fim, eles simplesmente não lhe passavam mais a bola nunca!".

Em 1986, o Ferro Carril Oeste acabou produzindo um recorde que se manteve ao longo do tempo: perdeu apenas 7 partidas, a quantidade mais baixa em toda a história da Liga. A estrutura da equipe era a mesma campeã no ano anterior, mas com a presença confiável de outros dois novos norte-americanos: o arremessador branco Michael Schlegel e o defensor negro Carl Amos.

O estrangeiro mais vezes campeão da Liga: Carl Amos
Campeão pelo Ferro Carril e duas vezes com o GEPU 


A segunda Liga marcou um fato gratificante para o basquete do país: todos os jogadores argentinos que estavam no exterior regressaram, atraídos pela nova competição: Gustavo Aguirre (voltou do Brasil ao Estudiantes de Concórdia), Esteban Camisassa e Gabriel Milovich (também do Brasil para o Unión de Santa Fé), Germán Filloy (outro do Brasil para o Atenas de Córdoba), Ricardo Garcia Fernández (da Espanha ao Deportivo San An­drés) e Luis González (do Brasil ao Ferro Carril Oeste).

Nesta etapa inicial, o orçamento somado dos 16 clubes da "Primeira A" e dos 36 da "B" - ou seja, um total de 52 clubes - era calculado em 2 milhões de dólares. Passado o tempo, só na elite do basquete argentino esta cifra já superou aos 11 milhões de dólares, mostrando o grande crescimento que houve na Liga Nacional do país.

O televisionamento pela TyC Sports (uma partida por rodada), algo que nos Anos 1980 não existia e parecia ser impossível nesta frequência, começou na temporada 1991/92 e significou um contrato de mais de 50 milhões de dólares até 2007, e depois se prorrogou até 2013.

Sabe quantos quilômetros foram recorridos em total em 1986 pelas 16 equipes da Primeira Divisão? 368 mil. O que significa isto? O trajeto que existe da Terra à Lua, ou em se dar nove vezes uma volta ao redor da Terra.


NASCE UMA LENDA
Na continuação começou a se edificar o império mais prestigiado na história da Liga Argentina: Atenas de Córdoba. Um campeão lendário com 7 títulos conquistados. Em 18 edições somou 869 partidas jogadas, com 609 vitórias (70,09%) e 260 derrotas (29,91%). O denominador comum de sempre: permaneceu sem se ausentar jamais em 848 partidas consecutivos desde o começo. O líder desta equipe: Marcelo Milanesio. Um ídolo com carisma inigualável, um armador de luxo, um símbolo aclamado.

Dentro das contínuas trocas de jogadores que caracterizou a Liga, conspirando com a necessidade de identificação que tem o público com seus jogadores, o Atenas se preocupou, através dos anos, de contar sempre com jogadores nascidos ou ao menos identificados com Córdoba. Outra particularidade é que, no mesmo contexto, só 6 treinadores passaram pelo banco de reservas cordobês: Wálter Garrone, Rubén Magnano, Medardo Ligorria, Pablo Coleffi, Mario Milanesio e Horacio Seguí.

O primeiro título do Atenas, em 1987, foi ganhando a série final de play-offs na quarta partida por 3-1. Dirigido por Wálter Garrone, o clube teve a virtude de contar com uma equipe na qual todas as posições estavam muito bem cobertas por jogadores que sabiam como cumprir suas missões muito bem: Marcelo Milanesio (armador), Héctor Campana (escolta arremessador), Germán Filloy (ala), Prato (ala-pivô) e Donald Jones (pivô). Um time completo e perfeito!

"Pichi" Campana matou a final contra o Ferro com 39 pontos convertidos, logo após ter se recuperado de uma operação delicada no joelho esquerdo, enquanto Fillol anulou defensivamente por completo ao uruguaio Tato López. Córdoba foi uma sinfonia verde. O segundo título, em 1988, foi coroado no Monumental. Ganho de forma contundente nos play-offs finais, consagrando-se outra vez em Buenos Aires: 3-0 sobre o poderoso River Plate.

Se a série decisiva foi sem sobressaltos, na semi­final contra o Pacífico de Bahía Blanca, o Atenas sofreu momentos de angústia, estando à beira de ser eliminado, sem ter podido contar com suas estrelas Germán Filloy e Pichi Campana, que se lesionaram no último minuto e na mesma jogada no terceiro jogo. Em Tres Arroyos, mostraram-se fortes, sendo catapulta para dois jovens de 19 anos conhecidos como "As Torres Gêmeas": Carlos Cerutti (2,04 m) e Diego Osella (2,05 m). Marcou também como um ponto de inflexão para um armador até então meio coadjuvante, e que começaria a brilhar cada vez mais: Marcelo Milanesio. Pensador e inteligente, um eixo de estratégia para uma equipe. Para muitos, foi desde então que se acentuou o famoso estilo de jogo de controle do basquete de Córdoba. Sem deixar de mencionar a característica de ataques rápidos. Atenas se impôs por 77-62, empatou a série semi­final e então, como mandante, ganhou a série por 3-2.

Mas o deus dos pontos nessa época inicial foi o uruguaio Wilfredo "Fefo" Ruiz, do Estudiantes de Bahía Blanca, máximo anotador das três primeiras edições da Liga, com uma média de 31,8 pontos por jogo. Em 1988 ele se mudou de casa, passando ao Olimpo por 23 mil dólares. Wilfredo Ruiz ostenta a maior média geral da história entre todos os jogadores que passaram pela Liga Argentina, com 28,6 pontos por partida nas 5 edições que disputou.

O uruguaio Fefo Ruiz no Estudiantes de Bahía Blanca
(diante do norte-americano Ernie Graham)


O Ferro repetiu a conquista em 1989, desta vez sob o impacto do norte-americano James Thomas, na única vez na qual León Najnudel ganhou a Liga Nacional. Atenas, por seu lado, voltou a conquistar o título na chamada "Liga curta" de 1990, que foi antecipada e encurtada porque neste ano a Argentina organizou o Campeonato Mundial e, ademais, a partir da temporada 1990/91 houve a modificação do calendário, jogando-se de setembro a junho, para coincidir com a temporada internacional.

O cordobeses varreram por 3-0 ao Sport Club de Cañada de Gómez, número 1 da temporada regular, ainda que vindo de ter enfrentado a trágica morte de Carlos Cerutti em um acidente automobilístico. A torcida fazia que se lembrassem do falecido ala-pivô do Atenas: "se sente! se sente! Palito está presente!".

Reconhece? O futuro treinador Marcelo Nicola
começava no Sport Club de Cañada de Gómez, aos 15 anos
ele esteve em quadra por 37 partidas entre 1987 e 1988


O feito de que as 6 primeiras edições da Liga se repartiram equitativamente entre Ferro e Atenas fez com que entre eles nascesse o primeiro clássico da competição. O histórico registrou 70 partidas entre eles, com 42 triunfos para Córdoba e 28 para os portenhos. No entanto, na final de 1987, por cima da rivalidade, as duas torcidas deixaram a rivalidade de lado pela exaltação nacional, e deram um grande espetáculo ao cantarem juntas: "Argentina! Argentina! Argentina!".

O ano de 1990 marcou o esplendor de Pichi Campana e suas façanhas em pontuação. Jogando pelo River Plate, conseguiu o máximo de média de pontos em uma temporada, com uma cifra impressionante: 44,2 pontos por partida. Ele meteu 62 pontos ao Sport no ginásio do Ri­ver (recorde para um argentino na Liga) e em toda a sua trajetória seria 4 vezes o maior pontuador, e de forma consecutiva, entre 1989 e 1992, e 4 vezes também foi eleito o melhor jogador. Totalizou 16.148 pontos convertidos em 706 partidas disputadas. Uma média global ao longo de 17 temporadas de excelentes 22,8 pontos por jogo.

Em 1988, por ideia de Horacio Seguí e Chiche Gornatti, começou como complemento a realização do Jogo das Estrelas. Ao longo das diversas temporadas, a atração passou por Mar del Plata, Córdoba, Buenos Aires, Bahía Blanca, Santiago del Estero, Neuquén, San Luis e Villa Carlos Paz.


NOME NOVO E DIFERENTE
Foi uma ascendência forte, mas fugaz. GEPU – Gimnasia y Esgrima Pedernera Unidos – de San Luis. Não tinha tradição no basquete argentino o seu lugar de procedência, porque San Luis nunca havia tido destaque no basquete. GEPU era a fusão de dois clubes, e mostrava uma relação muito particular com a empresa Eventos Deportivos S.A. Tudo dependia do poder político e econômico do senador Alberto Rodríguez Saá e de seu irmão, o governador Adolfo Rodríguez Saá, o mesmo que posteriormente teria uma passagem relâmpago como presidente da Argentina. Muitas vezes a equipe viajou com passagens pagas pelo Senado.

Desta forma mostrou o que outros clubes não podiam ter naquele momento: uma importante capacidade financeira. Assim construíram um ginásio, El Ave Fénix, com capacidade para 2.980 pessoas e, através de suas cinco temporadas ativo na "Liga A", conseguiu atrair importantes jogadores: Gustavo Fernández, Carlos Romano, Raul Merlo, Luis Villar, Pichi Campana, Diego Maggi, Juan Espil, Esteban Pérez, Hernán Montenegro... e até um técnico norte-americano: Kevin Mackey.

Final orquestrada em 1986: Hernán Montenegro (Olimpo) contra Miguel Cortijo


GEPU foi criado em 1989. Jogou sua primeira Liga em 1990, ficando em 12º lugar. Para chegar ao título de campeão, com a marca de "defender e jogar rápido", contando com os máximos pontuadores da história da Liga. Pichi Campana na temporada 1990/91 teve 31,5 pontos de média, numa equipe que ainda tinha o poder nos rebotes de Carl Amos e Diego Maggi, e a Daniel Rodríguez de técnico. E Juan Espil na temporada 1992/93 com 28,8 pontos de média, além de outra frente ofensiva com Esteban Pérez (21,7 pontos por jogo) e com Orlando Ferratto no seu banco. Na temporada 1994/95, o GEPU já não estava mais presente.


UM CAMPEÃO A CADA ANO
O país abraçou a competição. A expansão foi verdadeiramente nacional. Em 6 temporadas seguidas houve um campeão diferente a cada ano, entre 1992 e 1997. Em 1992 começou a nova corrida vitoriosa em Córdoba, com o Atenas. Em 1993 foi em San Luis, com o GEPU. Em 1994 chegou a Mar del Plata, com o Peñarol.

Sessenta mil pessoas saíram para receber o ônibus do novo campeão nacional ao longo dos 17 quilômetros que se estenderam desde Sierra de los Padres até Mar del Plata no regresso desde General Pico, após liquidar por 4-1 à série final contra o Independiente de lá, que tinha sido o número 1 da temporada regular e tinha a vantagem como local na final.

60 mil pessoas saíram para receber ao Peñarol em Mar del Plata
O capitão Richotti os saúda desde a sede da prefeitura


Com uma base mantida desde a temporada anterior: Marcelo Richotti assegurando uma transição rápida, Ariel Bernardini com um gatilho de arremessos certeiros, e Diego Maggi marcando presença no garrafão como pivô, comandados pelo técnico Néstor "Che" García, quem definiu: "Era Esteban de la Fuente, o queria sim ou sim. É o melhor defensor da Liga, e conhece o jogo como poucos. O Peñarol tinha cerca de 20 jogadas ofensivas, e Esteban era o único do time que as sabia todas, desde todos os lugares". Fechando, a dupla estrangeira da consagração, após terem sido provados 7 estrangeiros, foi formada pelo grandão ex-NBA Wallace Bryant (2,13 m) e pelo potente Sam Ivy.

Relembra Néstor García que "até a lesão de Bernardini (ruptura do tendão de Aquiles na 5ª rodada da 2ª fase, contra Regatas de San Nicolás), nós éramos uma equipe que jogava um basquete muito bonito, de contra-ataque, e que baseava seu jogo na tremenda capacidade de arremesso de Ariel... Depois tivemos que ser mais contidos, para fazer prevalecer nosso jogo interior que, certamente, era muito importante". Aquela equipe chegou a 17 partidas consecutivos sem perder, um recorde.

Em 1995 se gritou "sou dos Pampas/ sou dos Pampas/ dos Pampas eu sou!". Independiente de General Pico, clube de uma cidade que então tinha 41.921 habitantes, coroou-se campeão fundamentado num triângulo composto pela sagacidade do armador Facundo Sucaztky, a eficácia multifuncionalidade por toda quadra de Esteban de la Fuente (o melhor jogador da temporada) e a garantia para pontuar e para marcar do norte-americano Melvin Johnson (o melhor estrangeiro, e que detêm o recorde histórico de partidas jogadas por um não-argentino na Liga, com 449 aparições). Seu técnico, Mario Guzmán, explicou o estilo: "Nunca servimos para controlar o jogo. Na realidade, nós sempre nos sentimos mais cômodos correndo e arremessando...". E a tudo isso há que se agregar um bombardeio com um tremendo poderio de três pontos (um altíssimo 45,9% de eficácia no agregado de toda a equipe), somando-se Jorge Zulberti e Pablo Lamare aos três já citados.

A tragédia também sacudiu esta temporada. Em 2 de fevereiro de 1995, Gimnasia y Esgrima perdeu por 122-114 para o Boca Juniors em Comodoro Rivadavia. Parte do público se enfureceu contra os árbitros Eduardo Alagastino e Alejandro Chiti. Fora do Ginásio Sócios Fundadores houve uma chuva de projéteis. Uma pedrada golpeou a cabeça do espectador Julio Norberto Lecumberri, de 72 anos, e o produziu um coágulo cerebral que o levou a óbito após quatro dias de agonia. Espantoso, triste e trágico! O agressor, Leonardo Alberto Oyarzún, de 21 anos, foi preso e condenado a 3 anos de prisão por "homicídio culposo".


A BANDA E OS RENEGADOS
Uma linda produção fotográfica de El Gráfico com o Olimpia de Venado Tuerto, na qual a equipe aparece desempenhando o papel de uma orquestra, é a melhor definição do campeão de 1996, que na mesma temporada, treinada por Horacio Seguí, já havia sido o primeiro vencedor da 1ª edição da Liga Sul-Americana no Brasil. "A melhor banda da América do Sul", ressaltava o título da nota.

Orgulho de Venado Tuerto: "A melhor banda da América do Sul"
o grande Olimpia de Horacio Seguí


O técnico Horacio Seguí fez uma comparação ao falar sobre uma razão determinante do sucesso de sua equipe: "Nos momentos chave de uma partida, quando a bola queimava, Jorge Racca se converteu em nosso Michael Jordan...". O "Batman dos Pampas" foi o pontuador imparável da temporada, com 26,6 pontos de média, e o líder da conquista do título.

Seus aliados, num plantel com muita química, eram a velocidade de condução de Alejandro Montecchia, a versatilidade e a energia contagiante de Michael Wilson, o poder de pontuação de Todd Jadlow (campeão com a Universidade de Indiana de Bobby Knight), a forte personalidade de Sebastián Uranga, e um jovem que somava chamando a atenção por seu imenso talento: Lucas Victoriano.

O excelente nível destes jogadores é dado por um feito muito indicativo: Montecchia passou pelo basquete da Espanha e da Itália, Racca pelos basquetes da Espanha e da Grécia, Victoriano vestiu a camisa do Real Madrid na Espanha e também jogou na Itália, além de Guiñazú que atuou na Espanha. Uma equipe com jogadores que construíram um grande curriculum.

O Independiente de Mario Guzmán galopou em La Pampa
Campeão de 1995 desde General Pico


A consagração de um clube tão popular como Boca em 1997, tão arraigado no futebol, ampliou a atenção do país para o basquete. Dirigido por Julio Lamas, venceu mais facilmente do que era pensado a série final (4-1) sobre o Independiente, dos Pampas, treinado pelo porto-riquenho Flor Meléndez.

Arrancou aquele ano com um feito inédito para o basquete argentino: uma pré-temporada de 16 dias e 8 amistosos por França, Espanha e Portugal. Definiu Luis Villar: "Eu a chamo de Equipe dos Renegados, porque a maioria de seus integrantes chegou ao clube com fome de vingança por uma nova oportunidade".

O suporte no jogo foi dado pelo porto-riquenho Jerome Mincy com médias de 20,2 pontos e 9,2 rebotes por partida, líder dentro e fora da quadra. Sua frase preferida foi o lema de cabeceira do grupo: "Nem muito em cima, nem muito embaixo, sempre no meio".

Outra sustentação ofensiva era o temido arremesso em jump de Ariel Bernardini (18,4 pontos de média), que voltou depois da uma ruptura de seu tendão de Aquiles que por uma complicação posterior esteve a ponto de lhe deixar ruim para a vida inteira. Mas a verdadeira chave da conquista do campeonato foi posta pelo norte-americano Byron Wilson (média de 21,5 pontos) nos play-offs, com suas penetrações "de Michael Jordan".


A LENDA CONTINUA
O domingo 7 de janeiro de 2001 foi o dia mais triste da história da Liga Argentina. Estudiantes de Bahía Blanca enfrentava ao Libertad em Sunchales. Vítima de um colapso cardíaco (hipertrofia miocárdica) se foi um jovem de 23 anos: Gabriel Riofrío. Foi irreparável! Seus companheiros da Seleção Argentina o levaram presente, ainda sob a euforia do vice-campeonato mundial ganho em Indianápolis em 2002: "Gabi, sempre conosco". Impossível esquecê-lo.

Dor na alma: a morte de Gabriel Riofrío


Um marco histórico na vida da Liga Nacional se deu na série final de 1998, porque foi jogada no Luna Park, cenário mítico dos esportes argentinos, e porque não dizer de toda a cena cultural do país. E lotou! Oito mil pessoas se juntaram lá na última noite. É recorde. Mas também porque a atuação do Atenas de Córdoba, com um Fabricio Oberto muito desequilibrador, foi realmente excelente, arrasando ao Boca Juniors e completando em 4-0 definitivo, o primeiro e único numa série melhor de sete partidas, que começou na temporada 1990/91.

Momento inesquecível em 1998: o Luna Park lotado e um extraordinário Oberto


Se antes o clube de Córdoba já havia entrado no salão das lendas, este momento grandioso o catapultou ainda mais. E a famosa frase "a lenda continua", exaltando sua vigência, caiu-lhe justa. Disputou 12 finais das 18 primeiras realizadas.

Esta dupla "roubou" a história: Marcelo Milanesio e Pichi Campana
comemorando para o Atenas sobre a tabela no Luna Park


A Sociedade de Estrelas que formaram Marcelo Milanesio (quem mais jogou, e foi 7 vezes campeão) e Pichi Campana (quem mais pontuou, e foi 5 vezes campeão com o Atenas) foi incomparável e se constituiu a principal identificação com Córdoba. Lustraram a linhagem de campeões que caracterizou a seus homens, e onde se acumulam os títulos conseguidos na Liga por Diego Osella (5), Germán Filloy (4), Mario Milanesio (3), Bruno Lábaque (3), Roberto Costa (2), Mario Laverdino (2) e Leandro Palladino (2), sem esquecer a Fernando Prato (1), Luis Villar (1) e Fabricio Oberto (1).

Esta gente "ganhou tudo", 12 títulos oficiais entre 1987 e 2002: 7 Ligas Nacionais Argentinas, 2 Campeonatos Sul­Americanos, 2 Ligas Sul­Americanas e 1 Campeonato Pan-americano. E sempre se caracterizou por ter "o melhor plantel de argentinos".

A cereja da torta foi o 8° McDonald Championship realizado em Paris em 1997. Estiveram a 9 segundos e 6 décimos de jogar a final contra os Chicago Bulls de Michael Jordan. Uma cesta de três do lituano Arturo Karnisovas, do Olympiakos Piraeus, da Grécia, impediu tal façanha. Mas o Atenas, depois de uma extraordinária atuação internacional que o deixou em terceiro, tinha sido mais lendário do que nunca.

Na última Liga do Século XX surgiu o reinado do Estudiantes de Olavarría, do técnico Sergio Hernández, liderado pelo pontuador infernal J.J. Eubanks (27,5 pontos de média). Um de seus jogadores, o "Colorado" Wolkowyski, como num conto de fadas, concretizava um sonho que parecia difícil de ser alcançado: que um argentino jogasse na NBA. Essa mesma noite, a de 31 de outubro de 2000, no Madison Square Garden, Pepe Sánchez se anteciparia com uma histórica estreia e ratificava o que até então era impossível. Algo que ratificou Emanuel Ginóbili.

Estudiantes de Olavarría 1999/2000 (comemora J.J. Eubanks)
uma campanha recorde: 80,3% de aproveitamento


Em seu bi-campeonato, com outro plantel, no qual sobressaíam Danny Farabello, Paolo Quinteros e Byron Wilson, Estudiantes produziu a melhor campanha de todas quando consideradas temporadas de 50 ou mais partidas, obtendo o recorde de 80,3% em triunfos.

Seu último ato foi um feito: depois de 848 partidas se retirou campeão – como merecia – Marcelo Milanesio, fechando um ciclo glorioso e inigualável. Aquela noite de 13 de maio de 2002 foi histórica, de emoção e nostalgia. Um feito a mais para justificar o ápice daqueles sonhos iniciados em 1982 e os 20 anos de trabalho sem interrupções.

O primeiro jogo de Marcelo, o salto em Bahía Blanca contra Pacífico


OS 49
Nas duas primeiras décadas, desde 1985, participaram 49 clubes nas 19 edições da Primeira A da Liga Nacional. Esta foi a procedência: Buenos Aires e Santa Fe com 10, Capital Federal 8, Córdoba 5, Tucumán 3, Entre Ríos, La Pampa e Río Negro com 2; Santia­go del Estero, Chaco, Neuquén, Chubut, San Luis, La Rioja e Misiones com 1.

Só 3 clubes jogaram todas estas 19 primeiras edições: Atenas de Córdoba, Ferro Carril Oeste, e Estudiantes de Bahía Blanca. Das 24 federações afiliadas, 15 tiveram representação alguma vez, sendo que as quatro com mais equipes foram as mesmas federações que mais ganharam o velho Campeonato Argentino: Capital Federal (18 títulos), Buenos Aires (13), Santa Fe (11) e Córdoba (9).


OS 10 CAMPEÕES DA NBA
Nestas duas primeiras décadas, dos 145 jogadores estrangeiros com antecedentes de terem jogado na NBA e que também atuaram na Liga Argentina, 10 foram campeões nos Estados Unidos.

Stacey King: 3x campeão da NBA com o Chicago Bulls
pelo Atenas de Córdoba só jogou 6 partidas


São eles: Joe Pace (Washington Bullets em 1978), Mark Landsberger (Los Angeles Lakers em 1980 e 1982), Earl Cureton (Philadelphia 76ers em 1983 e Houston Rockets em 1994), Larry Spriggs (Los Angeles Lakers em 1985), William Thompson (Los Angeles Lakers em 1988), John Long e Fennis Dembo (Detroit Pistons em 1989), Stacey King (Chicago Bulls em 1991, 1992 e 1993), Ricky Blanton (Chicago Bulls em 1993) e Mario Ellie (Houston Rockets em 1994 e 1995, e San Antonio Spurs em 1999).


FEZ A ARGENTINA CRESCER
Texto abaixo é escrito pelo jogador reconhecido como o símbolo histórico da Liga Argentina. Esteve nas 18 primeiras temporadas. Sempre jogou pelo Atenas de Córdoba e chegou a fazê-lo por 649 partidas seguidas.

Por Marcelo Milanesio:

Basta conseguir um vídeo das primeiras edições – 1985, 1986, 1987 – para se dar conta da diferença e de como o que ocorreu depois foi abismal. De como se cresceu uma barbaridade, com uma permanente evolução, tanto na defesa como no ataque.

A Liga Argentina foi algo sensacional. O basquete argentino progrediu graças à sua competição, que cada vez foi mais exigente e abriu as portas para todos os jogadores de basquete do país.

Foi provado com as conquistas internacionais, ganhando-se mais do que nunca: uma Medalha de Ouro nos Jogos Pan-Americanos em Mar del Plata em 1995. Voltar a participar dos Jogos Olímpicos depois de 44 anos, em Atlanta 1996. O Sub-22 Campeão Pan-Americano em Rosario em 1993 e em Ribeirão Preto em 2000. Medalha de Bronze no Mundial Juvenil (Sub-19) do Canadá em 1991 e 4º lugar em Portugal em 1999, e também 4º lugar no Mundial Sub-22 de Melbourne em 1997. Medalha de Bronze no Mundial Sub-21 de Saitama, Japão, em 2001, e a Medalha de Ouro - pela primeira vez na história - na Copa América de Neuquén em 2001. No ano anterior, ademais, tendo sido Campeões Sul­Americanos em todas as categorias, desde cadetes até o adulto. Na Liga Sul­Americana, os clubes da Argentina ganharam 5 dos 7 primeiros campeonatos realizados. A Argentina chegou com 3 jogadores à NBA. E então aconteceu o ápice, espetacular e brilhante, mostrado em Indianápolis 2002, com o Vice­campeonato do Mundo, tendo vencido ao invencível "Dream Team". Tudo isso foi por mérito da exigente competição interna dada pela Liga.

É só ter a lembrança de quando o Monte Líbano, do Brasil, jogava contra os times argentinos nos Anos 1980: parecia uma equipe da NBA, tamanha a facilidade com que passava por cima e atropelava por mais de vinte pontos de diferença. Já na época da Liga, e jogando reforçados com estrangeiros, foi-se tirando a desvantagem devagar até se alcançar as vitórias.

Com o passar dos anos, aumentou o nível dos treinamentos, praticando-se o dobro ou o triplo mais do que antes, foi-se falando cada vez mais de estratégia, estudando-se mais a fundo aos rivais. Ver à NBA pela televisão também ajudou muito a todo este processo. Avançou-se em todas as frentes, até no piso das quadras, nos aros, nas bolas, na vestimenta, na qualidade do transporte para se viajar...



Fonte do texto acima: Revista El Gráfico
https://www.elgrafico.com.ar/articulo/%C2%A1habla-memoria!/34420/la-revolucion-del-basquet


Veja também:

Os alicerces da revolução pela qual passou o basquete argentino foram fincados um pouco antes, história que pode ser conhecida no texto: Declaração do Paraná: marco revolucionário na história do basquete argentino.


A História da Liga:

Entre os Campeões de 1984 a 1999, nas 16 primeiras edições, estão San Andrés, Ferro Carril Oeste, Atenas de Córdoba, Gimnasia Pedernera, Peñarol de Mar del Plata, Independiente de General Pico, Olimpia de Venado Tuerto e Boca Juniors.

Entre os Campeões de 2000 a 2015, nas 16 edições seguintes, estão Estudiantes de Olavarría, Atenas de Córdoba, Boca Juniors, Ben Hur de Rafaela, Gimnasia de Comodoro Rivadavia, Libertad Sunchales, Peñarol de Mar del Plata, Regatas Corrientes e Quimsa.

E entre os Campeões a partir de 2016 estão San Lorenzo, com cinco títulos consecutivos, Instituto de Córdoba, Quimsa, ...


A partir da década de 2000, passou-se a fazer também a escolha dos cinco melhores da temporada por posição. Veja os escolhidos: Quintetos Ideais por temporada na Liga Argentina


E veja quem foram os maiores: Top 100: As Lendas da Liga Argentina de Basquete e complementando a escolha dos Melhores da História da Liga Argentina, e os escolhidos como MVP de Todas as Temporadas.


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