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domingo, 17 de novembro de 2013

Sob Hitler e céu aberto: 1936, a primeira Olimpíada do basquete

Matéria publicada originalmente por www.basketeria.com.br em 19 de Julho de 2012, complementada por texto publicado pelo www.GloboEsporte.com em 13 de Setembro de 2019. 


Apesar de não ser o esporte mais tradicional e antigo dos Jogos Olímpicos, a modalidade da bola laranja tem uma incrível e longa história nas Olimpíadas, que começou a ser desenhada em 1936, em Berlim, na Alemanha, início este que detém uma série de interessantes curiosidades.

A começar pelo local das disputas: a Alemanha hitlerista. Como se sabe, as Olimpíadas de 1936, pelo próprio caráter político, reservaram alguns dos episódios mais épicos dos Jogos. Nenhum mais famoso que as vitórias do velocista Jesse Owens, atleta norte-americano negro que dinamitava, a partir de quatro medalhas de ouro, a teoria da supremacia ariana.

Em sua primeira aparição nas Olimpíadas, o basquete levou à competição um número de 22 seleções participantes, tornando-se o esporte coletivo com maior quantidade de concorrentes daquele ano. Após edição de Berlim, o evento esteve suspenso do cenário mundial devido aos confrontos da Segunda Guerra, voltando a ser disputado em 1948, na cidade de Londres, novamente com 23 integrantes no basquete. Foi a última vez de um torneio inchado. Dali em diante, limitou-se a 16 o número de concorrentes na modalidade, para posteriormente, em Montreal (1976), estipular em 12 a quantidade de delegações, número que permanece determinado na atualidade do formato na competição.

Curiosamente, em sua primeira aparição na máxima competição esportiva do planeta, a FIBA tentou emplacar uma mal sucedida novidade. No intuito de testar e promover o “outdoor basketball”, ou o basquete disputado em ambientes sem cobertura, a Federação Internacional da modalidade decidiu organizar as partidas dos Jogos Olímpicos de Berlim a céu aberto, colocando as seleções para combaterem em uma improvisada quadra de tênis, composta, portanto, de grama, cenário que não condizia com o cotidiano do basquete.

Apesar da precariedade do cenário e da recente integração da modalidade na gama de esportes olímpicos, o basquete atraiu uma enorme quantidade de torcedores alemães. Realizadas no período de 7 a 14 de agosto, as partidas levaram um total de 21.808 telespectadores às quadras de Berlim, número que obrigou os organizadores do evento a novamente improvisarem, desta vez construindo arquibancadas às pressas para atender à demanda de pessoas interessadas em acompanhar a novidade.

Quadra que abrigou as partidas de basquete das Olimpíadas de 1936

Essa alternativa inusitada de privilegiar o basquete “descoberto” ainda permitiria que momentos adversos climáticos causassem sérios inconvenientes ao nível técnico do torneio. Para se ter uma ideia, a grande decisão foi severamente prejudicada por um temporal. Só que diferente do tênis, em que as partidas são interrompidas, o duelo pela medalha de ouro entre Estados Unidos e Canadá foi jogado debaixo d´água. Relatos de presentes testemunham que a estrutura de grama e areia que compunha o piso da quadra logo se transformaram num lamaçal. Muitos atribuem a isso o baixo placar da partida final vencida pelos estadunidenses por 19 a 8.

Estava consolidada ali, com o triunfo na quadra de grama, a primeira medalha de ouro conquistada pelos Estados Unidos no basquete olímpico. Para premiar os atletas com o artifício dourado, escolheu-se ninguém menos do que James Naismith, o grande inventor do basquete. Naquele momento, em Berlim, o canadense condecorava os pescoços dos atletas daquela nação que começava a conquistar a hegemonia na modalidade por ele criada, domínio que se arrasta pelos anos, e se mantém praticamente intacto nos dias atuais.
Curiosamente, a primeira vitória dos Estados Unidos na história dos Jogos Olímpicos veio sem nenhum esforço: foi um W.O contra a Espanha. A delegação espanhola, impossibilitada de sair de um país que se via imerso à Guerra Civil, não marcou presença no basquete dos Jogos de 1936.

Cartaz da Guerra Civil Espanhola

A seleção dos Estados Unidos, primeira campeã olímpica da história, era formada por um combinado de atletas de duas equipes que melhor se saíram nas eliminatórias americanas. Metade vinha do Universal Studios Team, time bancado pela célebre produtora cinematográfica Universal Pictures, e a outra parte vinha dos McPherson Oilers, atletas patrocinados por uma refinaria instalada em Kansas.

 Seleção dos Estados Unidos de 1936

O Brasil foi a Berlim representando dez diferentes modalidades, entre elas o basquete, totalizando 94 integrantes em sua delegação. Presente na primeira aparição basquetebolística na história das Olimpíadas, o time verde-amarelo terminou a edição de Berlim na nona colocação geral, mas com resultados que impressionam, como a vitória, na estreia, diante do Canadá, vice-campeão, por 24 a 17. Contudo, o triunfo inicial foi seguido por algumas derrotas, para Chile e Polônia, que impediram que o Brasil chegasse à disputa da medalha, fato que se concretizaria 12 anos mais tarde, em Londres, quando a seleção verde-amarela conquistou o bronze, o melhor resultado do basquete do país.


Por razões que logo se tornariam óbvias, foi a primeira e última vez que o torneio olímpico de basquete foi organizado em uma quadra externa.


Convidado a compartilhar suas memórias daquela edição quase meio século depois, durante os Jogos de Los Angeles 1984, o capitão da equipe dos Estados Unidos em Berlim 1936, Bill Wheatley, relevou detalhes da saga: "A bola era muito maior e mais pesada do que a de hoje, e havia uma fenda de um lado, por onde era inserida a bexiga. Não importa quanto se tentasse, não havia maneira de fazer aquela bola girar perfeitamente – lembrou ele. – Isso, além da quadra de terra, tornava quase impossível quicar a bola e driblar, mesmo quando o piso estava seco. Na maior parte do tempo, passávamos a bola pelo ar e arremessávamos com as duas mãos, o que todo mundo fazia naqueles tempos".


Não surpreende que, para os padrões modernos, as pontuações em 1936 tenham sido muito baixas – a vitória dos EUA sobre o México por 25 a 10 e o triunfo de 42 a 15 do Canadá sobre a Polônia nas semi-finais são um bom exemplo disso. E o pior estava reservado para a grande final. Relatou o capitão da equipe dos Estados Unidos em Berlim 1936, Bill Wheatley: "Choveu forte por 24 horas antes da final, e quando o tempo não mudou no dia seguinte, achamos que os alemães adiariam o jogo – lembrou Wheatley. – A essa altura, a quadra era tão barrenta e escorregadia que ninguém conseguia sequer correr. Mas os alemães só queriam acabar com aquilo, então jogamos dois tempos de 20 minutos diante de 500 guarda-chuvas, debaixo dos quais eu acredito que havia pessoas".

Depois de construir uma vantagem de 15 a 4 no primeiro tempo, a equipe dos Estados Unidos se concentrou em proteger a bola no segundo. A chuva se intensificou após o recomeço e, com apenas mais oito pontos, a equipe americana venceu o primeiro torneio olímpico de basquete com um placar que entraria para a história: 19 a 8.




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