.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Documentários de basquete imperdíveis: BAD BOYS

Poucas equipes na história dos esportes profissionais dos EUA provocaram uma variedade de emoções tão grande como o Detroit Pistons do final da década de 1980 e início da década de 1990. Alguns os viram como heróis, outros como vilões. Por quê? Porque era um time capaz de fazer qualquer coisa para vencer, sem se preocupar com o que seria pensado sobre eles, e foi isto o que lhes deu o título de "Bad Boys", os "garotos maus", amados por aqueles que amavam as cores que eles defendiam, e odiados por todos os demais.


O documentário da ESPN Films, da série "30 for 30", conta a história deste time de bad boys, liderados por Isiah Thomas, um jogador com uma combinação letal de doçura por fora e dureza por dentro, com o tom rude de uma dupla com muita virilidade no jogo de garrafão - Bill Laimbeer e Rick Mahorn - com a intensidade silenciosa de Joe Dumars, a entrega e o destemor de um jovem Dennis Rodman, que ainda estava longe de ter a "cara de mau" que passou a ter depois que saiu de Detroit, e tinha ainda o tom cômico de John Salley e o estilo firme do treinador Chuck Daly. Pelas palavras de Connor Schell, produtor executivo da ESPN Films: "Independentemente dos fãs adorarem ou odiarem os personagens lendários desta "Era Pistons", a história - dita pelos olhos daqueles que a viveram - proporciona uma perspectiva diferente para aqueles que seguiram essa equipe. Ao mesmo tempo mostra as realizações e os depoimentos dos "Bad Boys" para todos aqueles que não os viram em quadra". Complementou Danny Meiseles, produtor executivo de conteúdo da NBA: "Os Detroit Pistons dos anos 80 e 90 são uma das equipes mais faladas de sua época e agora os fãs terão a chance de julgar seu lugar na história da NBA".

O caminho até a glória deste time foi arduamente conquistado frente a um panteão de nomes do Hall da Fama. Entre o período de dominância da bipolaridade entre o Los Angeles Lakers, de Magic Johnson, James Worthy e Kareem Abdol Jabbar, e o Boston Celtics, de Larry Bird, Kevin McHale e Robert Parish - disputa bipolar que marcou os Anos 1980 na NBA que o documentário chama de uma espécie de "Monarquia Conjunta" - e antes da dominância hegemônica do Chicago Bulls, de Michael Jordan e Scottie Pippen - dominante na primeira metade dos Anos 1990 - houve um breve período de transição no qual quem mandou foi o Detroit Pistons, com dois títulos em 1989 e 1990. Para qualquer um que experimentou os Bad Boys em ação, eles mais do que destruíram sua própria identidade, tanto na NBA quanto na cultura popular norte-americana, mas o fizeram com uma personalidade própria, muito marcante.

O documentário Bad Boys traz entrevistas com um panteão do Hall da Fama da NBA, incluindo Michael Jordan, Clyde Drexler, Patrick Ewing, Kevin McHale, Dominique Wilkins e James Worthy. Além de entrevistas com os membros deste time: Isiah Thomas, Bill Laimbeer, Joe Dumars, Dennis Rodman, Adrian Dantley, Mark Aguirre, entre outros. O que o documentário explora é o modo de certa indiferença como o time lidava com este ódio dos demais contra eles, e mais, a equipe passou a gostar de ser desprezada e a saber usar isto como combustível para encontrar o rumo para suas vitórias.


"Você quer ganhar? Ou você quer se divertir?". A filosofia de Chuck Daly e a forma como Isiah Thomas a absorveu não previam a truculência e a violência. Mas por trás desta filosofia, construiu-se uma identidade e uma personalidade que levaram a um estilo de jogo físico, bruto e intenso. Em seu caminho para construir sua história, os Bad Boys fizeram muitos inimigos. O documentário "Bad Boys" capta este processo passo a passo de como a máquina foi construída, em particular o vínculo inquebrável entre os nativos de Chicago, Isiah Thomas e Bill Laimbeer. Os dois tinham em comum o lugar onde cresceram e a vontade determinada de vencer sempre. Mas as similaridades param aí. Eles cresceram em opostos: Isiah no lado pobre de Chicago, como ele disse: sem saber se haveria um prato de comida sobre a mesa ao fim do dia. E Laimbeer foi filho de um rico empreendedor, nascido e criado numa mansão, cercado de abundância. Laimbeer aparece como o personagem mais envolvente do filme - uma personalidade instigante e combativa, que permaneceu afiada com o tempo. Ele se mostrou divertido, introspectivo e nada menos que um atirador direto e objetivo, sem meias palavras. Isiah Thomas foi um personagem de sorriso carismático, com uma sinceridade escondida em inteligentes e bem arquitetadas ironias, enquanto Laimbeer foi o personagem da verdade seca e sem se preocupar com as consequências do dito.

Aquele time do Detroit Pistons começou a ser construído no fim dos Anos 1970 com a chegada de um novo gerente geral, Jack McCloskey. Ele queria vencer, e em 1979 tentou arquitetar um plano para ter a Magic Johnson em troca de seu time inteiro. McCloskey era um ex-capitão da Marinha que lutou na Segunda Guerra Mundial. O time dos Pistons não conseguia atrair grandes nomes, todos que lá chegavam, planejavam estar por pouco tempo, até obterem oportunidades melhores. Em 1981, Jack McCloskey conseguiu recrutar Isiah Thomas no Draft da NBA, embora ele mesmo, Isiah, tenha se esforçado para não ser escolhido, como reconhece no documentário, porque ninguém queria ir jogar em Detroit. Assim que chegou, ele mostrou serviço: o time que só perdia, passou a conseguir vitórias. Começava-se a ser construída a história dos Bad Boys. O tijolo seguinte foi contratar Bill Laimbeer ao Cleveland Cavaliers, e trazer seu amigo Chuck Daly para comandar aquele bando de irmãos. Em 1986, há a chegada de Adrian Dantley para suprir a necessidade de melhorar a defesa, além de que ele era um dos principais pontuadores da NBA nas temporadas anteriores. Na sequência da montagem da engrenagem, chegaram nomes como Rick Mahorn e Joe Dumars, duas personalidades completamente diferentes. Mahorn o pivô dos bloqueios corporais virulentos na hora do pick and roll com Isiah Thomas, nocauteando adversários, e Joe Dumars com sua tranquilidade e seus tiros certeiros. Na sequência chegaram o excêntrico John Salley e o energético Dennis Rodman. O fenômeno ia tomando forma. Mais a frente chegou Vinnie "Microondas" Johnson. A última peça aconteceu quando Adrian Dantley, incomodado com o estrelismo de Isiah Thomas, foi trocado por Mark Aguirre, justamente a primeira escolha daquele Draft de 1981 no qual os Pistons, com o direito à segunda escolha, selecionaram a Isiah Thomas. A fraternidade estava fechada, e todos rapidamente entenderam o raciocínio de sua união.


Na temporada 1985-86, o Detroit Pistons cai logo na primeira rodada de play-off para o Atlanta Hawks, não havendo o duelo contra o rei da Conferência Leste, o Boston Celtics, de Larry Bird. É na temporada 1986-87 que a disputa fica série, Boston e Detroit se enfrentam na final da conferência. Nos dois primeiros jogos, em Boston, os Celtics abrem 2 x 0 (104 x 91 e 110 x 101). O jogo 3, em Detroit, fica marcado por uma agressão de Laimbeer a Bird e a uma subsequente troca de agressões entre os jogadores. Os Pistons vencem por 122 x 104 e depois por 145 x 119, empatando a série. No 5º jogo, em Boston, os Pistons perdem a oportunidade de virar o mando, numa noite de atuação magistral de Isiah Thomas. Porém, a três segundos do fim, é ele mesmo, Isiah, quem repõe o lateral erradamente, com Larry Bird interceptando e passando para que Dennis Johnson, no segundo final, colocasse Celtics 108 x 107 no placar. O Detroit ainda vence em casa, por 113 x 105, mas perde o 7º jogo por 117 x 114 e vê a série ser fechada em 4 x 3 a favor do Celtics. As atuações soberbas, magistrais, de Thomas, não impedem a derrota numa série que depois do conflito no jogo 3 foi extremamente tensa e com ânimos mais exaltados do que o comum, cheia de jogadas ríspidas e bate-bocas. Na final, os Celtics acabam derrotados na série, por 4 x 2, para o LA Lakers. Foi naquela série contra os Celtics que nasceram os Bad Boys. E o capítulo que inflamou os ânimos aconteceu no vestiário após o jogo 7. Um repórter entrevista Dennis Rodman que dispara: "Se Larry Bird fosse negro, seria apenas mais um jogador. Bird é apenas a grande esperança branca". O repórter foi a Isiah Thomas e perguntou se ele concordava com a frase de Rodman, e Isiah respondeu "sim". A repercussão foi enorme. Isiah Thomas é chamado de "racista às avessas" pelos jornais. A polêmica toma uma proporção tão grande que é marcada uma entrevista coletiva conjunta entre Larry Bird e Isiah Thomas durante as Finais, após um duelo Celtics-Lakers. Mas ao invés de apaziguar, só acirrou aos ânimos. Durante esta entrevista, Thomas não se redime ou se desculpa, ri ironicamente e critica os comentários, questionando o que seria "racismo às avessas". A atitude irrita Larry Bird, que se levanta e deixa a coletiva. A partir dali começa-se a construir o fenômeno Bad Boys.

A pedra fundamental do fenômeno era a atitude agressiva em quadra, que já se iniciava na forma intimidatória de entrar em quadra do pivô Bill Laimbeer, o único branco entre os jogadores dos Pistons. O jogo mais bruto de Rick Mahorn ao lado dele no garrafão também acumulava antipatias. Ali já havia fogo, mas depois da polêmica racial em torno de Isiah Thomas, atirou-se gasolina nesta fogueira. E também ali se construiu a fraternidade do grupo, que viu na atitude de Isiah uma defesa ao jovem Dennis Rodman, quem havia sido o real declarante das polêmicas palavras: o grupo se fechou e se uniu. E dali para frente esta união foi marcante. Dali para frente era Detroit contra os Estados Unidos inteiros. A cidade de Detroit no entanto os abraçou, comparando-os com os Oakland Raiders, lendário time de futebol americano.


Na temporada 1986-87, na semi-final da conferência o time pára Michael Jordan. Depois do Jogo 2, quando os Bulls vencem por 105 x 95 dentro de Detroit, Isiah Thomas passa a noite em claro, na rua, refletindo sobre como parar Jordan. Ele liga para Joe Dumars e os dois passaram horas ao telefone, chegando a um consenso sobre a estratégia. Eles então ligam para Chuck Daly e Jack McCloskey. Eles põem o plano defensivo em ação e os Pistons vencem as duas partidas em Chicago. Na sequência fecham a série em 4 x 1. A estratégia ficou conhecida como "As Regras Jordan" ("Jordan Rules"), e se caracterizava por desafiar fisicamente a Michael Jordan para tirá-lo de seu equilíbrio. Eles davam espaço para que ele penetrasse no garrafão, mas se armavam para, de forma revezada, fechar agressivamente sobre ele para impedi-lo de arremessar, muitas vezes fazendo falta. Como o próprio Michael Jordan admite, esta estratégia o forçou a intensificar o trabalho de musculação a partir da temporada seguinte, para passar a ter um jogo mais físico e menos vulnerável. Talvez ele não tivesse atingido o patamar "acima da média dos tops" que alcançou nos Anos 1990, se não tivesse intensificado sua força física. E os Bad Boys o levaram a isto!


Depois de bater os Bulls, o desafio era vingar-se dos Celtics na final da Conferência Leste. Nervos mais uma vez a flor da pele. Laimbeer e Bird mais uma vez provocando-se fisicamente. A troca de socos desta vez, porém, foi entre Laimbeer e Robert Parish. O Detroit venceu o primeiro jogo dentro de Boston (104 x 96), perdeu o segundo por 119 x 115, e a série foi para Detroit. Os Pistons venceram o jogo 3 por 98 x 94, porém perderam o jogo seguinte por 79 x 78. Mais uma vez a oportunidade se lhes escapava nos segundos finais. Mas no jogo 5, fora de casa, eles provaram sua determinação. Mais uma vez com Isiah Thomas sendo soberbo, venceram na prorrogação por 102 x 96. Desta vez eles não estavam dispostos a deixar a série lhes escapar. O Detroit Pistons fechou o jogo 6 em casa, por 95 x 90, e pela primeira vez a franquia chegava à final da NBA.

Dennis Rodman, Larry Bird e Isiah Thomas

Depois de derrubar ao Chicago Bulls de Michael Jordan e ao Boston Celtics de Larry Bird, era a vez, na final, de enfrentar ao Los Angeles Lakers de Magic Johnson. E eles começaram muito bem, vencendo fora de casa o 1º jogo por 105 x 93. Os Lakers fizeram 108 x 96 no segundo, e renivelaram os mandos com uma vitória por 99 x 86 dentro de Detroit. Os Pistons venceram os dois jogos seguintes, ambos dentro de Detroit, por 111 x 86 e por 104 x 94. O jogo 6, em Los Angeles, foi a oportunidade do título. Isiah Thomas torceu o tornozelo, mas mesmo com uma bola no pé, sem saber como o próprio tênis pôde voltar a ser calçado, mancando, ele teve uma atuação de outro planeta. Nestas condições, fez 25 pontos só no 3º quarto. Tinham um ponto de vantagem nos segundos finais, quando o árbitro marcou equivocadamente uma falta de Laimbeer sobre Kareem Abdul Jabbar a 14 segundos do fim. Ele converteu os dois lances livres e pôs 103 x 102 para o Lakers no marcador. Os Pistons não converteram o último ataque e acabaram derrotados. No Jogo 7, também em Los Angeles, os Lakers fizeram 108 x 105 e fecharam a série em 4 x 3, sagrando-se campeões.

Mas eles tinham a determinação em alcançar a glória. Na temporada 1988-89, eles varreram o Boston Celtics logo na 1ª rodada de play-off por 3 x 0. Na final, enfrentaram a um Michael Jordan mais forte do que na temporada anterior. Mas apesar dele estar mais físico, as "Regras Jordan" voltaram a prevalecer, com o Detroit Pistons fechando a final de conferência em 4 x 2. Com os Celtics de Bird destronados e os Bulls de Jordan mais uma vez vencidos, era hora agora de destronar o Lakers e Magic Johnson. E de que forma o fizeram! Em Detroit, venceram por 109 x 97 e por 108 x 105. Foram a Los Angeles e não se intimidaram, vencendo por 114 x 110 e por 105 x 97 (este que foi o último jogo da carreira de Kareem Abdul Jabbar, que ali se aposentava). O sonho estava consumado, o Detroit Pistons era campeão da NBA! Para o desgosto de muitos e muitos.

Na temporada 1989-90 eles provaram que o título não havia sido por acaso. O Boston Celtics, depois da aposentadoria de Larry Bird, já não era mais uma ameaça. Na final da Conferência Leste, uma memorável série vencida por 4 x 3 sobre o Chicago Bulls de Michael Jordan e Scottie Pippen. Mais uma vez os Pistons, pelo terceiro ano consecutivo, eram campeões do Leste e chegavam à final da NBA. O adversário desta vez era o Portland Trail Blazers, de Clyde Drexler. Eles não foram páreos para os Bad Boys, que venceram a série por 4 x 1 e se sagraram Bi-campeões da NBA!

Na derrota 1990-91, o último capítulo. Novamente eles chegaram à final da Conferência Leste contra o Chicago Bulls, mas desta vez foram varridos por 4 x 0. No quarto jogo, antes do cronômetro chegar a zero, com a derrota sacramentada, os jogadores do Detroit se retiraram de quadra diante dos olhares incrédulos dos jogadores do Bulls. As palavras de Michael Jordan sobre esta série resumem o sentimento da América perante o time dos Bad Boys: "O jogo sujo, as faltas flagrantes e a conduta anti-desportiva, eu espero que tenham sido eliminadas do basquete junto com eles. Nós não saímos e tentamos machucar as pessoas e sujar o jogo. Você nunca perde o respeito pelos campeões. Mas eu nunca concordei com os métodos que eles usaram. Eu acho que as pessoas estão felizes que o jogo voltará para um jogo limpo". A desavença levou os demais jogadores do Dream Team, nos Jogos Olímpicos de 1992, a brecar a convocação de Isiah Thomas. Apesar do treinador ser Chuck Daly, ele não conseguiu impedir o manifesto de Michael Jordan, Scottie Pippen e Larry Bird, e Thomas não foi para Barcelona.

A grande contribuição da ESPN Films neste episódio "30 for 30" foi mostrar que apesar das polêmicas, aquele time, aquela fraternidade de jogadores que ficou conhecida como os Bad Boys, foi um grande time de basquete!

Nenhum comentário:

Postar um comentário