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quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Trotamundos de Carabobo: colocando a Venezuela no topo da América do Sul


Em junho de 1983, o empresário Germán Blanco Romero comprou o Andinos de Mérida e mudou o time de cidade, de Mérida para Valencia, fundando o Trotamundos de Carabobo (a franquia foi batizada com este nome como uma homenagem ao Harlem Glotetrotters). A cidade de Valencia tinha um time de basquete desde que a Liga Venezuelana de Basquete foi criada, em 1974; o Colosos de Carabobo havia sido um dos fundadores, tendo sido vice-campeão em 1974 e o campeão da segunda edição, em 1975. Porém, em 1983 a franquia foi vendida pelo empresário Flavio Fridegotto e transferida de cidade, passando a ser o Bravos de Portuguesa, na cidade de Guanare, que viria inclusive a decidir o título de 1988 com o Trotamundos. Ali, em Valencia, nascia uma potência do basquete venezuelano, que marcaria uma era nos Anos 1980, vindo a dar os primeiros títulos internacionais da história do basquete da Venezuela. Por isto, no país se diz que o "Expresso Azul" dividiu a história do basquete venezuelano em dois: antes e depois do Trotamundos.

A liga venezuelana até então estava dominada pelo Guaiqueríes de Margarita, hexa-campeão em 1977-1978-1979-1980-1981-1982, mas que perdeu os títulos de 1984 e 1985 para o Gaiteros de Zulia, ficando duas vezes com o vice-campeonato. E estas foram exatamente as duas primeiras temporadas do Trotamundos de Carabobo no basquete venezuelano.

Para sua primeira temporada, em 1984, o time fez sua estreia na Liga contra o então campeão Panteras de Lara. Na temporada regular, o Trotamundos terminou em 4º lugar, com 18 vitórias em 28 jogos. Acabou derrotado pelo Guaiqueries na semi-final (4-2 na série). Destacavam-se na equipe Yván Olivares, Rostyn González e o norte-americano Alfonso Smith. O time tinha também outros dois norte-americanos na primeira temporada, Bobby Wilson e Mike Robinson. Em 1985, com o mesmo trio de destaques, e com Al Smith tendo a impressionante média de 36,4 pontos por jogo, ao lado do também norte-americano Jerry Davis, com 25,3 pontos por jogo, o time terminou a temporada regular modestamente em 5º lugar, com 18 vitórias em 36 jogos. Faltava pouco para o clube fazer história e mudar completamente a dimensão técnica do basquetebol jogado no país...

Em 1986 foi conquistado o primeiro título nacional. Chega ao clube o norte-americano naturalizado venezuelano Sam Shepherd, que jogava no país desde 1974 e já defendia a Seleção Venezuelana. Ele dá o toque final para deixar o Trotamundos dominante. Na Temporada Regular o time obteve 26 vitórias em 36 jogos, terminando em 1º lugar. Além do tripé dominante formado por Yván Olivares, Al Smith e Sam Shepherd, o time teve a Allison García eleito como "Novato do Ano". Na semi-final, o time se impôs sobre o Bravos de Portuguesa, fechando a série em 4-0, e com a característica de ter terminado o 1º tempo atrás no marcador nos quatro duelos, virando o jogo no 2º tempo. Este feito fez a imprensa local batizar o time como "O Expreso Azul". Um time com um poder ofensivo enorme, tanto que na final, contra o Panteras de Miranda, em série vencida por 4-1, o Expresso Azul fez mais de 100 pontos em todos os jogos: 130 x 119 (Al Smith 40 pontos, Sam Shepherd 29 e Yván Olivares 20, os três juntos somando 89), 121 x 99 (Sam Shepherd 36, Al Smith 26 e Yván Olivares 24, os três somando 86), 104 x 118 (Al Smith 35, Sam Shepherd 15 e Yván Olivares 12, os três somando 62), 118 x 110 (Al Smith 32, Yván Olivares 28 e Sam Shepherd 19, os três somando 79) e 132 x 115 (Al Smith 41, Yván Olivares 28 e Sam Shepherd 23, os três juntos somando incríveis 92 pontos). Al Smith foi eleito MVP. O elenco do técnico Pedro "Camaguey" Espinoza tinha: Sam Shepherd, Al Smith, Leroy Combs, Yván Olivares, Rostyn González, Luís Jiménez, José Acosta, Allison García, Gustavo Borromé, Julio Morillo, Alfredo Díaz, Silverio Leal e Ronald Lavecchia.

Trotamundos campeão de 1986

Em 1987 o time foi bi-campeão venezuelano. Em relação ao time da temporada anterior, Pedro Espinoza deu lugar a Francisco "Paco" Díez como treinador, e saiu o norte-americano Leroy Combs, substituído por seu compatriota Bobby Wallace. Na Temporada Regular, o time obteve 30 vitórias em 42 jogos e terminou em 1º lugar. Foi para a semi-final diante do Guaiqueríes de Margarita. A série foi dura, os quatro primeiros jogos da série terminaram com difrença de um ou dois pontos no placar, e o Trotamundos vencendo por 3-1. Depois do 5º jogo, quando o time foi derrotado de forma acachapante por 87 x 112, o técnico Paco Diez foi demitido, sendo substituído por David Palacios. A vitória por 129 x 118 no 6º jogo fechou a série. A final foi novamente diante do Panteras de Miranda, e mais uma vez foi fechada em 4-1, e novamente com um ataque poderoso fazendo mais de 100 pontos em todos os jogos: 113 x 109, 103 x 117, 132 x 130, 112 x 109 e 130 x 121. O MVP desta vez foi Sam Shepherd, que teve as maiores médias da história do Expresso Azul, com 34,1 pontos e 7,6 assistências por jogo na Temporada Regular, e 27,8 pontos por jogo na final.

Em 1988 vem o tri-campeonato venezuelano e a conquista histórica do Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões. O técnico agora era Osiris Duquela, natural da República Dominicana, com David Palacios como seu assistente. Na liga, a Temporada Regular teve 30 vitórias em 42 jogos, sendo novamente 1º lugar. Na semi-final, vitória por 4-2 na série diante do Guaiqueríes de Margarita, avançando a fazer a final diante do Cardenales de Portuguesa (antes Bravos de Portuguesa), na qual também fez 4-2, sempre conservando a marca de mais de 100 pontos em todos os jogos: 122 x 112, 119 x 113, 107 x 105, 123 x 143, 131 x 143, e 131 x 93. O MVP da liga foi Al Smith. A Venezuela no entanto já era pequena para as conquistas do Trotamundos de Carabobo.


A Venezuela havia sido sede do Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões uma única vez, em 1979, em Isla Margarita, quando o Sirio, do Brasil, sagrou-se campeão. Em 1988 o torneio foi realizado em Caracas. Até então, o Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões e o cenário do basquete no continente eram amplamente dominados pelos clubes brasileiros. Até aquale momento haviam sido 17 títulos do Brasil, contra 4 títulos da Argentina (3 do Ferro Carril Oeste) e 4 títulos do Uruguai. Entre os brasileiros: 8 títulos do Sirio, 4 do Franca, 2 do Monte Líbano, 2 do Corinthians e 1 do Flamengo. Na 1ª fase, três jogos e três vitórias: 137 x 89 Codetar (Bolívia), 115 x 70 Universidad Central (Colômbia), e vitória na prorrogação por 114 x 113 sobre o Ferro Carril Oeste (Argentina) que era o então campeão sul-americano, tendo conquistado o título em 1987. O quadrangular final, que decidiria o campeão, foi disputado entre o Trotamundos, os argentinos Ferro Carril Oeste e Atenas de Córdoba, e o brasileiro Monte Líbano. A bola subiu em 15 de junho de 1988. Na 1ª rodada, o Monte Líbano venceu ao Ferro Carril, e o Trotamundos derrotou ao Atenas de Córdoba. No dia seguinte, o Atenas derrotaria o Monte Libano na abertura da noite, e o Trotamundos venceria ao Ferro Carril no jogo principal, saltando à liderança. Em 17 de junho, a noite valia o título sul-americano. No jogo de abertura, o Atenas venceu ao Ferro Carril e garantiu o vice-campeonato, independente do resultado do jogo de fundo. Só uma derrota por diferença superior a 4 pontos tiraria o título continental do Expresso Azul. O ginásio em Caracas estava com lotação máxima. Mas o time começou nervoso e jogando mal, com os brasileiros conseguindo impor uma boa vantagem no marcador. Mas aquele time sempre revivia no 2º tempo. O tempo foi passando e a distância foi diminuindo, até os infartantes momentos finais do jogo, com a difrença sempre muito próxima aos quatro pontos de vantagem em favor dos brasileiros. No fim, o Expresso Azul perdeu o jogo, mas por uma desvantagem de apenas 2 pontos, o que lhe garantiu o título no saldo de cestas. Explosão de alegria no ginásio lotado!

Em 1989, o Trotamundos foi tetra-campeão venezuelano e bi-campeão sul-americano. O treinador havia voltado a ser Pedro "Camaguey" Espinoza. O bi-campeonato sul-americano foi conquistado em Assunção, no Paraguai. Uma conquista no exterior era altamente simbólica para o basquete do país: clubes venezuelanos conquistaram 6 vezes o Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões, sendo que 4 destas conquistas foram em solo venezuelano. Posteriormente, quando o Guaros de Lara foi bi-campeão da Liga das Américas em 2016 e 2017, ambos os títulos também foram conquistados em solo venezuelano; números que mostram como a conquista no exterior tinha um gosto ainda mais especial, pois eram raros para o basquetebol do país.

Na Temporada Regular da Liga Venezuelana, o time obteve 29 vitórias em 42 jogos, terminando em 1º lugar. Na semi-final bateu ao Marinos de Oriente por 4-2 na série. Antes da final nacional, viajou ao Paraguai para o Sul-Americano. Após perder na estreia para o Atenas de Córdoba por 76 x 79, o time venceu por 118 x 83 ao Petrox (Chile), por 93 x 66 ao San Pedro Pascual (Equador) e avançou para decidir contra o Sirio, do Brasil, que havia derrubado ao Atenas. Venceu heroicamente por 90 x 82, com Sam Shepherd eleito MVP e Al Smith sendo o cestinha do time. Voltou à Venezuela para ser recebido por uma enorme caravana. Mas teve pouco tempo para comemorar, pois dias depois se iniciava a final da liga contra o Gaiteros de Zulia. O Expresso Azul arrasou ao adversário por 4-0: 130 x 98, 121 x 111, 111 x 108 e 121 x 110. Sam Shepherd foi eleito mais uma vez o MVP. O time campeão de tudo em 1989 tinha Carlos Dalrrimple, César Ramos, Randall Rodríguez, Roldman Toro, Rostyn González, Luís Jiménez, Sam Shepherd, Elías Romero, Manuel Jiménez, Allison García, Yván Olivares, Nicolás Castillo, Al Smith, Luis Gómez, Alexander Nelcha e Elsren Jackson.

Sam Shepherd

Em 1990, na luta pelo quinto título consecutivo no país, o Trotamundos terminou a fase regular em 1º lugar com 31 vitórias em 42 jogos. Favoritíssimo a mais um título, o Expresso Azul enfrentou ao Cardenales de Portuguesa na semi-final e perdeu a série por 2-4, apesar de ter Sam Shepherd com 25,2 pontos por jogo, Al Smith com 25,8 pontos por jogo, e Yván Olivares com 19,0 pontos por jogo. Chegava ao fim a Era de Ouro do Trotamundos de Carabobo, que mudou para sempre a história do basquete da Venezuela. O clube voltou a ter grandes momentos, mas nunca mais teve uma fase tão espetacular e tão grandiosa como aquela.

Na temporada de 1992, já sem Sam Shepherd, mas ainda liderado por Al Smith e Yván Olivares, e com o norte-americano Kevin Willians com a impressionante média de 38,0 pontos por jogo, o Trotamundos foi vice-campeão nacional, perdendo a série final por 2-4 para o Cocodrilos de Caracas. Em 1993 foi a última temporada do "Pantera Cor de Rosa", apelido de Al Smith. O time teve a volta de Sam Shepherd. Apesar de uma temporada bastante irregular, o Trotamundos foi novamente vice-campeão, perdendo a série final por 3-4 para o Marinos de Oriente, terminando assim a temporada na qual seu principal nome foi o norte-americano David Wesley. Depois de escapar dois anos seguidos, o título não escapou em 1994. Comandado agora pelo técnico Julio Toro, na Temporada Regular teve 28 vitórias em 42 jogos, ficando com o 1º lugar. Após um quadrangular semi-final, avançou para duelar contra o Cocodrilos de Caracas na série final, fazendo 4-1: 101 x 83, 116 x 111, 116 x 111, 94 x 96, e 100 x 94. O MVP foi o norte-americano Stanley Brundy, com média de 27,0 pontos por jogo. A seu lado ainda brilhava Yván Olivares, com a excepcional média de 24,8 pontos por partida.

Depois de passar por um período de reestruturação, no qual apostou em jogadores jovens, a partir de 1998 o clube voltou a viver um segundo ciclo histórico, que culminaria na conquista de mais um título do Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões. O primeiro degrau, entretanto, foi o vice-campenato na temporada 1998 da Liga Venezuelana, na qual perdeu a série final por 2-4 para o Marinos de Oriente. A base que voltaria a vencer já estava ali. Em 1999 o Trotamundos de Carabobo voltou a se sagrar campeão da liga venezuelana, num ano que começou sem que o time figurasse entre os favoritos. O técnico do time no início do ano era o espanhol Pep Clarós, mas ele acabou demitido, substituído por Néstor Salazar, que também não aguentou até o fim da temporada, durante os play-offs acabou substituído primeiro pelo dominicano Héctor Báez, e depois em definitivo por Rafael "Chino" Infante. Uma temporada extremamente confusa, mas que ainda assim terminou em título, graças ao protagonismo do armador norte-americano Charles Byrd. Mais uma vez a equipe enfrentou ao Panteras de Miranda numa final. O time ganhou a série por 4-2: 89 x 87, 99 x 89, 87 x 96, 90 x 102, 85 x 72, e 103 x 86. O MVP foi Charles Byrd.


Campeão nacional, o time se postula para disputar o Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões, o qual torna a ter à cidade de Valencia como sede. Para reforçar a equipe, o time incorpora o veterano pivô Carl Herrera, primeiro venezuelano a atuar na NBA. O ginásio lotado empurra o Trotamundos. Em 30 de agosto o time faz seu primeiro jogo no Grupo A, fazendo 82 x 47 no ESPE (Equador), o Piratas de Bogotá (Colômbia) também vence. No Grupo B, Estadiantes de Olavarria (Argentina) e Vasco da Gama (Brasil), liderado pelo armardor Charles Byrd, ex-Trotamundos, também vencem seus primeiros jogos. No 2º jogo, vitória do Trotamundos por 108 x 86 sobre o Piratas de Bogotá, e o Vasco vence ao Estudiantes (81 x 73), com ambos assumindo a liderança de seus grupos. Na 3º rodada, o Trotamundos é derrotado por 93 x 99 para o Welcome (Uruguai), resultado que acaba eliminando aos colombianos, deixando os uruguaios em segundo, com o time venezuelano avançando à semi-final em primeiro. Nas semi-finais, vitória do Vasco da Gama sobre o Welcome por 86 x 66, e vitória do Trotamundos de Carabobo por 83 x 72 sobre o Estudiantes de Olavarría, da Argentina, com 21 pontos de Arthur Long, 18 de Victor David Díaz, 17 de Sean Colson, 15 de Óscar Torres e 7 de Carl Herrera. Em 3 de setembro, Trotamundos e Vasco decidiram o título, com vitória venezuelana por 94 x 91. Óscar Torres, com 23 pontos e 9 rebotes, foi eleito o MVP do torneio. Victor David Díaz com 23 pontos, Wladimir Heredia fez 11 pontos, Carl Herrera e Roque Osorio fizeram 8 cada. Trotamundos Tricampeão Sul-Americano 1988-1989-2000!!!

O clube nunca mais voltou a repetir tamanhas façanhas. Ainda voltou a ser campeão venezuelano em 2002, conquistando o sétimo título nacional de sua história sobre o Panteras de Miranda na final, fazendo 4-3 na série: 121 x 114, 90 x 92, 114 x 116, 105 x 112, 104 x 90, 115 x 94, e 93 x 85. Time que tinha novamente Charles Byrd, além de Monty Wilson (o MVP da temporada), Emeka Okenwa, Roque Osorio, Allison García, Alexander Nelcha, Alexander Tovar e Ludwing Irazabal. Em 2006 o oitavo título nacional sob a liderança do técnico argentino Néstor "Che" García, fazendo 4-2 na série final contra o Guaros de Lara: 91 x 87, 96 x 84, 84 x 99, 107 x 96, 82 x 87, e 76 x 65. O time tinha o veterano pivô dominicano Jose Vargas, mas seus principais jogadores eram Richard Lugo (MVP do torneio), Tomás Aguilera, Lawrence Wallace e Geno Carlisle. Uma história recheada de grandes nomes, a qual abriu as portas do basquete da Venezuela internacionalmente.


3 comentários:

  1. Eu sou Torcedor de TROTAMUNDOS DE CARABOBO...e moro agora em Sao Paulo...Lembro aqueles campeonatos como hoje...

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    1. tenho una duda chamo, alfonso Smith chego a jugar em Brasil

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  2. Dennys
    Desconosco que Al Smith haya jugado en Brasil, pero no tengo un cien por ciento de seguridad. Si es mi memoria la que me traiciona, dejo el punto en abierto para respuesta de alguien que sepa si hubo ese pasaje por Brasil.
    Un abrazo

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