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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Biografia Autorizada: Andrés "El Chapu" Nocioni


"Quando li meu livro pela primeira vez, parei um segundo e pensei: "uau! esta viagem foi incrível", assim Andrés "El Chapu" Nocioni falou sobre sua autobiografia autorizada em entrevista ao jornal argentino La Nacion em 5 de setembro de 2018.

A biografia de Andrés Nocioni foi escrita pelo jornalista Fabián García: "El Chapu, Memórias de um Guerreiro" é um presente com um imperdível testemunho que percorre toda sua carreira e oferece detalhes únicos sobre a Geração Dourada. “Sinto que muitos de nós sentimos que a ele, e a eles (a Geração Dourada), há que se devolver algo do que nos deram. Tenho a sensação de que sempre estaremos agradecidos por tudo o que nos deram no basquete, por terem se portado tão bem, pelo que transmitiram, pelo que jogaram. E se há alguém que deu realmente tudo, foi ele”. Assim Léo Montero introduziu a obra sobre Andrés Nocioni na apresentação de sua biografia.

O autor comentou que a idea da biografia surgiu desde o dia em que ele tirou a foto que se tornou a capa da obra, após a vitória por 78 x 67 sobre o Brasil nas Quartas de Final do Campeonato Mundial, em 5 de setembro de 2002. A decisão final de efetivamente escrever o livro aconteceu quando Andrés Nocioni anunciou sua aposentadoria do basquete. "El Chapu" titubeou, mas finalmente aceitou que fosse publicada sua biografía. Pelas palavras de Nocioni: “com o tempo desfrutei, organizei minhas lembranças e repassei tudo, vi minha carreira de fora para dentro”. E ele prossegue: “a Geração Dourada segue me deixando arrepiado, surpreendente no basquete e no esporte argentinos, e está ótimo que tenha podido contar esta história”, afirmou orgulhoso de sua decisão final.


O livro descreve momentos-chave de sua carreira, com o depoimento de Nocioni e mais de 70 testemunhos de personagens que fizeram parte de sua trajetória, descrevendo passagens como a grande experiência na NBA com a camisa do Chicago Bulls, maus momentos como a passagem pelo Sacramento Kings, a derrota por 71 x 68 para a Austrália na Semi-Final do Mundial Sub-22 de 1997 em Melbourne, as históricas companhas da Seleção da Argentina no Mundial de 2002 e nas Olimpíadas de 2004, com a Medalha de Ouro, além da Medalha de Bronze nas Olimpíadas de 2008, e também a reta final de sua carreira com muitas vitórias pelo Real Madrid. Rebelde, jovem problemático (como ele mesmo se definiu), um “louco” dentro e fora de quadra, um guerreiro, e um vencedor...

Entre muitas histórias gloriosas e vitoriosas, é válido serem destacadas as memórias do jogo contra a Lituânia na decisão do Bronze nos Jogos Olímpicos de 2008 em Beijing, na China: a situação era complexa. A Lituânia era poderosa e a Argentina enfrentava um jogo sem seu "Ás de espadas", Manu Ginóbili. Para a surpresa de todos na delegação argentina, no dia da partida o bahiense Manu foi com o uniforme completo de jogador ao ginásio, com um pequeno bolso de roupas pendurado no ombro. No vestiário, colocou as faixas de proteção, calçou os tênis e foi saltar e testar seu tornozelo. Durou uns minutos. Quando se deu conta de que não havia forma de jogar, frustrado, voltou ao vestiário e colocou o jeans com o qual veria o jogo no banco de reservas. Seus companheiros, ao notá-lo abatido, não conseguiam lhe dirigir a palavra. Alguns passavam por ele e lhe acariciavam a cabeça, mas nada mais do que isso. Outra vez a Argentina jogaria um jogo decisivo sem uma de suas máximas figuras, como no Mundial de Indianápolis em 2002 e como nas Olimpíadas de Atenas em 2004.


A palestra técnica não foi fácil, mas deu margem a outra história que pinta a Chapu de corpo inteiro. Contou no livro o técnico Sérgio Hernández: “Havíamos colocado a prancheta com cruzes, flechas, etc, porque a ideia era defender a Ramunas Siskauskas com inversões e recuperação de bola. Quando terminei de explicar tudo, Chapu pediu a palavra e dice ‘Sérgio, você quer que eu defenda a Siskauskas? Porque do que você disse eu não entendi nada. Deixe ele só para mim que eu o defendo’. E o Chapu não lhe deixou jogar”. Sobre Siskauskas, o time fez o trabalho clássico que fazia com Chapu: atiçá-lo. “Deixamos ele louco dizendo que Siskauskas era o melhor da posição três (ala) da Europa", contou Ginóbili, "nós o inflamávamos sempre (ao Chapu), todos, como fizemos sobre Linus Kleiza, Juan Carlos Navarro, ou qualquer outro grande europeu que fosse. Era muito fácil provocá-lo”. Carlos Delfino ilustra o método que utilizavam: “Nós diziamos ao Chapu, anda e vai parar ao Siskauskas. Porque quando ele ficava com raiva e queria defender, começava a respirar como um touro”. Prigioni descreve o que era Nocioni: “Um competidor feroz, que não tinha medo de nada, não era intimidado por ninguém e tinha uma confiança brutal em si mesmo, com um ponto de inconsciência que o fazia competir a níveis incontestáveis”. Para aquele jogo, Sérgio Hernández considerava que a chave para a vitória passava por desgastar a Sarunas Jasikevicius. Apesar de sua angustia, quando muitos falavam sobre esse ponto, Manu Ginóbili parou a todos e lhes dice: “O treinador considera que a cabeça da serpente é Jasikevicius e que há que cortá-la. Então temos que fazer isso”. E assim acabou a discussão.

O formato do vestiário era em "L". Quase no fim das intruções do "Ovelha" Hernández, Manu se levantou e foi para o outro lado, onde ninguém podia vê-lo. E começou a chorar. Ainda que quisesse evitá-lo, todos o escutaram. Não fazia falta vê-lo. Não era preciso falar mais nada. Se é que era preciso um último incentivo para dar tudo em quadra, era aquele. “Quando saíamos para a quadra, eu me aproximei do Manu, dei-lhe um abraço e lhe dice ‘muitas vezes você nos levou às vitórias, desta vez nós vamos dar a você a medalha de bronze’. Automaticamente me esqueci de que ele não iria estar e comecei a cuidar da minha lesão e das dores que me incomodavam muito. Mas quando começou a partida, a dor sumiu da minha cabeça”, conta no livro "El Chapu". Não há como explicar o que aconteceu em quadra. Sem Ginóbili e com Nocioni quase com uma perna só, a Argentina saiu para o jogo para devorar, literalmente, a seu rival. Contou El Chapu: “Saímos como na final de 2004 em Atenas. Queríamos a medalha. Haviamos falado muito do quão importante era sair com o bronze. Incentivamos muito uns aos outros, como fazíamos sempre”.

O primeiro quarto foi equilibrado, mas no segundo, com participação decisiva de dois jogadores que não haviam tido muita participação antes, a Argentina começou a despegar-se. Paolo Quinteros converteu 3/3 triplos e Léo Gutiérrez cravou outras duas bombas (ele só havia marcado 6 pontos em todo o torneio até aquele jogo) para que a Argentina fosse ao intervalo com um largo 46 x 34. A euforia de Nocioni, principalmente, era incontrolável. Gonzalo García, assistente-técnico de Hernández, ficou com uma imagem fixada em sua mente daquele instante: “Quando saíamos para os vestiários, cruzamos no caminho com os lituanos. Nossos jogadores estavam como possuídos, e Chapu não parava de gritar ‘agora a estes lituanos lhes vamos romper o rabo, lhes vamos romper o rabo!’. Até eu fiquei com medo dele. E, ainda que eles não soubessem espanhol, os lituanos entendiam perfeitamente o que queria dizer o Chapu”.

Nocioni e o resto cumpriram o dito. Houve várias ações que refletitam o que aconteceu naquele meio-dia em Beijing. No terceiro período, com a Argentina já a frente por 18 pontos, a Lituânia pediu tempo. Manu Ginóbili disse ao Chapu que não se mantivesse tão firme na marcação a Siskauskas porque poderia acabar ficando pendurado em faltas. No ataque seguinte, Siskauskas pegou a bola no meio da quadra e Nocioni, colado nele, começou a mover as mãos sobre seus movimentos para tentar roubar-lhe a bola. Um, dois, três, até que em uma conseguiu e recuperou a bola. “Apenas conseguiu e nos olhou a todos no banco, especialmente a Manu, e não parava de rir; ele havia mantido sua convicção e aí havia obtido seu prêmio”, narra Julio Lamas. Acrescenta Pablo Prigioni: “No roubo de bola, Julio me dizia ‘olha a cara dele, olha a cara dele’. Soltava fogo pela boca. Estava deixando ali sua vida. Como lhe haviamos enfernizado tanto com a importância de parar Siskauskas, saía fumaça por suas orelhas. O tempo todo ele dizia ‘eu vou devorar ele, eu vou devorar ele’. E ele o devorou”. Assim Nocioni lembra deste momento: “Vinhamos muito eufóricos porque estávamos controlando o jogo, e a mim se nota mais a euforia quando estamos assim. Manu quiz fazer-me diminuir a marcha pela diferença que levávamos, pensando seguramente que me poderia mandar alguma merda, mas eu o tomei como um desafio. Apenas me disse isso, e eu automaticamente saí a pressioná-lo. Estava com toda a adrenalina nas veias. Foi uma das jogadas mais lindas da partida”. O lituano Siskauskas, logicamente, não tem na memória tantos detalhes deste jogo como os argentinos, mas deu seu depoimento para o livro: “A Argentina estava muito concentrada por ter perdido ao Ginóbili. Sabíamos que iriam jogar com muita energia. Eu me lembro que o Chapu estava muito excitado, muito emocional. E eles jogaram muito bem. Lamentavelmente para nós”. Com o resultado já definido, houve um outro momento inesquecível: o Chapu se jogou de cabeça por uma bola dividida, a bola ficou quicando, Carlos Delfino se jogou de cabeça também para evitar que ela se fosse, um lituano a tomou e quiz dar um passe, mas Paolo Quinteros a cortou para converter sozinho a uma bandeja. O banco argentino explodiu. O time estava dando uma lição de jogo e de coragem.

A comemoração foi digna de uma medalha, foi uma vitória tão celebrada pelos jogadores como a da medalha de ouro quatro anos antes em Atenas. E a partida feita pelo Chapu foi um reflexo disso. Para Nocioni: “Pode ser que simbolize um pouco do que eu fui na seleção. Há outros jogos em que joguei bem e fui importante, mas certamente aquele jogo representa um pouco da minha carreira. Uma mistura de talento com personalidade, auto-exigência, trabalho, disciplina... porque estive três dias, horas e horas, com o fisioterapeuta para estar preparado para aquele jogo. A situação emocional fez deste jogo algo especial, buscando forças nos problemas. Alguém poderia buscar desculpas e dizer 'fiz o que pude', ou fazer todo o necessário para ganhar. Podíamos usar todas as desculpas: a ausência do Manu, minha lesão, mas não fizemos isto. A Lituânia eu não sei se não era melhor do que nós. Tinham um timaço. Nós tivemos fome, sede de vitória... jogo físico. E fizemos todos juntos. Para mim foi o melhor jogo do Léo Gutiérrez com a seleção. A festejamos como uma de ouro porque a situação era totalmente diferente frente a Atenas. Na Grécia éramos 12 jogadores, sabíamos que estávamos acima, tinhamos mais ambição, mas em Beijing tinhamos dúvida. Tinham ocorrido muitas mudanças. A meta era uma medalha, e nós a conseguimos”. A declaração de Luis Scola para o livro o mostra não estando de acordo a ter sido o melhor jogo da carreira de Nocioni: “Jogou muito bem. Foi um momento muito representativo de sua trajetória, porque além do mais estava lesionado. Teve muito valor, mas foi uma entre um montão de coisas incríveis que ele fez. Uma de suas melhores, mas ele fez muitas. Em outros contextos: NBA, Europa, MVP de um Final Four de Euroliga… há 40 grandiosas”. Nocioni saiu da quadra gritando como um louco ao passar pela zona mixta, onde o esperava a imprensa argentina: “Festejem vocês também, que isto é de todos! E aí vocês têm ao "cebador olímpico", que jogou um partidaço!”, ironizou Chapu. Durante muito tempo, a seu grande amigo Léo Gutiérrez diziam ter sido o “cebador olímpico”, por haver jogado só 3 minutos durante todos os Jogos Olímpicos de Atenas 2004 (cebador é aquele que prepara o "mate", em português chamado de "chimarrão"). Comentou no livro Gutiérrez: “O pior é que isso de cebador olímpico é culpa dele, porque eu não tomava mate, mas quando nos juntávamos na seleção eu tomava. Terminamos comprando duas garrafas térmicas e dois mates, porque eu os tomava amargos e ele doce. Na realidade, ele era o cebador olímpico”. A vitória sobre a Lituânia foi o fechamento ideal. Medalha de bronze para se preparar para receber ao segundo filho do casal. Paula, grávida, esperava em General Pico.

Andrés Nocioni abraçado por Léo Gutiérrez

Paradoxalmente, esta partida contra a Lituânia ressalta uma das grandes discussões sobre Chapu: seus culhões vs seu talento. “Se sub-estima a Andrés cuando se fala de seus culhões - disse Cláudio Villanueva, seu empresário -. Só com culhões não teria construído a carreira que ele fez. A Europa foi uma tremenda escola. Num momento se convirteu num crack, para mim o melhor ala da Europa”. O talento é outro item que poderia levar a horas de discussão. Nocioni não se considera talentoso. Scola o retruca: “Ele diz que não tem talento e eu penso que é uma das coisas mais ridículas que já escutei na minha vida. Ele tem muitissimo talento. Sua capacidade atlética é um talento. Seu coração é um talento. A capacidade de meter-se numa equipe com um papel específico é um talento”.







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