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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Ruy de Freitas e o Brasil com o Bronze em 1948


Matéria publicada em 20 de outubro de 2015, sob o título "Ruy de Freitas, Guru de Várias Gerações", sob autoria de José Rezende, jornalista responsável pelo Blog Álbum dos Esportes e autor dos livros "Hei de Torcer até Morrer" sobre o América-RJ, "Eternamente Bangu", e co-autor juntamente ao historiador Raymundo Quadros do livro "Vai dar Zebra", sobre a história dos clubes pequenos do Rio de Janeiro. As palavras mencionadas abaixo do próprio Ruy são de uma entrevista dada ao autor do texto no dia 20 de fevereiro de 2002.

Partida em 1951 entre os Harlem Globetrotters e a A.A. Grajaú


Eis a íntegra da matéria:

Todas as quartas-feiras, na Escola Pública (CIEP) Nação Rubro-Negra, na Gávea, ex-jogadores do basquetebol carioca se encontravam e jogavam animadas peladas. Lá encontrei Gedeão, Ardelim (ex-Botafogo), Marcelo Cocada (ex-Flamengo e Fluminense), Rogério "Touro" (ex-Botafogo) e muitos outros. O grupo é organizado e as peladas são divididas por faixas etárias. Soube que o líder é o Paulista, ex-Vasco e Seleção Brasileira. Mas confesso que dessa vez não fui para assistir as peladas e rever essa turma que trouxe à minha lembrança aos bons tempos das transmissões pelas ondas de rádio da Emissora Continental, 100% esportiva, ao lado do saudoso e querido amigo Noli Coutinho, lá pelos ídos dos Anos 1960.

Fui ao encontro do guru desses jovens veteranos, segundo eles próprios. Sentado me aguardando estava um jovem de 85 anos, que antes de conversar comigo, foi jogar sua sagrada pelada. Depois da qual me concedeu a entrevista:

Ruy de Freitas: "Em Pernambuco, onde eu vivi grande parte da minha infância, eu jogava futebol. Nasci no Rio de Janeiro, mas, meu pai foi ser Chefe de Polícia em Recife, e eu tive que acompanhá-lo. Quando retornamos ao Rio, em 1930, fomos morar no Riachuelo, e lá jogava futebol em times organizados, que participavam de festivais aos domingos. Comecei a jogar basquete, nessa época, com 14 anos, na Associação Cristã de Moços, na Rua Araújo Porto Alegre (no Centro do Rio de Janeiro)".

Meu pai foi preso por questões políticas, conseguiu escapulir e minha família foi para o Uruguai. Em 1932, fui campeão da 3ª divisão jogando no Biguá. No início de 1936, voltamos para o Rio e fomos, novamente, morar no Riachuelo. Quando o time foi formado para disputar o campeonato, eu já entrei como titular. De 36 a 41, sempre disputamos o título. Fomos vice-campeões, em 36, numa melhor de três com o Grajaú; em 37 e 38 conquistamos o bi; em 39 o Botafogo foi campeão; e em 40/41 novamente fomos bicampeões. Nosso time base em 36/37 era: Adílio, Sebastião, Jorge, Camilo e eu.

Fiquei no Riachuelo até 1942. Saí porque um dia veio uma nova diretoria, que expulsou um cara que fez umas trapalhadas. A turma do basquete, que tinha um prestígio grande, apoiou a diretoria. Dois dias depois o filho do presidente fez também uma trapalhada, mas não o colocaram para fora. Aí, eu disse: se ele não sair, saio eu. Como o presidente ajudava o clube com dinheiro, nada aconteceu, e eu saí. Fui para o América, onde fiquei dois anos. Nosso time era: Marinho, Helinho, Passarinho, Jagunço, Geraldo e eu. Jogamos mano a mano com as outras equipes, mas não conquistamos títulos".

O time do Riachuelo, Campeão Carioca de Basquete de 1937


O jogo entre Associação Atlética Grajáú e Flamengo praticamente decidiu o título carioca de 1950. O Flamengo tentava o tricampeonato e perdeu para Associação Atlética Grajaú. Ruy foi importante personagem desse momento histórico e contou como foi a partida:

Ruy de Freitas: "Em 1950, a Associação Atlética Grajaú montou o time com alguns jogadores do América e mais Montanha e Cleto, que veio do Riachuelo. A partir de 1948, o Flamengo passou a dominar o basquete carioca, até então sob a liderança do Botafogo. O Flamengo foi bicampeão em 48/49.

Na decisão de 50, o jogo foi o tempo todo mano a mano, até o Cleto fazer a cesta decisiva. Naquele tempo os resultados eram muito mais baixos. Primeiro porque se jogava pouco na cesta e, também, não tinha tempo. O sujeito ficava com a bola na mão e só jogava na certa.

Nós naquele jogo fizemos o que o Simões me ensinou: quando a bola saía, o cronômetro não parava; nós estávamos atrás, então nós colocávamos um companheiro para entrar e o que saía voltava imediatamente; com isso o tempo corria muito pouco; quando nós passamos no marcador paramos de fazer isso, para o tempo passar e acabamos vencendo o jogo. O Simões era craque, jogava no Tijuca e era muito meu amigo.

O time do Flamengo era muito bom. Jogavam Algodão, Godinho, Fernando, Tião, Alfredo. O técnico era o Kanela".

Ruy com a Seleção Carioca, que então representava o Distrito Federal


Na história do basquetebol brasileiro um dos mais gloriosos episódios foi a conquista da Medalha de Bronze nas Olimpíadas de Londres, em 1948:

Ruy de Freitas: "Foi um exemplo de como o esporte em geral no Brasil não é bem tratado. Tivemos que levar goiabada e outros alimentos. Não tínhamos médico, massagista. Era um médico para toda a delegação, só queria saber das meninas da natação. Num jogo em que o Alfredo se machucou, ele apareceu e quando foi atender ao Alfredo, o Reis Carneiro, Presidente da CBB disse: "Tira a mão daí. Não mexe no meu jogador. Não venha agora para cá".

Nós podíamos levar 12 jogadores e levamos só 10. Tivemos a contusão do Évora, um companheiro amarelou, não digo o nome, e o Daiuto, que era o técnico, não tinha confiança em três jogadores.

Quando chegou a partida contra a Inglaterra, que era a seleção mais fraca, alguém da chefia da delegação disse que era importante o saldo de cestas. Corremos muito e fizemos 72 pontos. No jogo seguinte, cansados, sem massagista, sem médico, não ganhamos. Para ganharmos depois do México foi um custo. O time base era: Algodão, Brás, Massene, Alfredo e eu. De São Paulo tinham quatro e o resto era do Rio.

A Medalha de Bronze valeu como se fosse de ouro. Mas, quando eu entrei em Wembley, no desfile inaugural, vendo todo aquele cenário, eu disse para mim mesmo: não preciso ganhar, já estou satisfeito".



Quatro anos depois, em Helsinki, na Finlândia, Rui de Freitas defendia, novamente, às cores brasileiras como atleta olímpico:

Ruy de Freitas: "O espírito não era o mesmo de 1948. Por exemplo, foi o time do Flamengo. O técnico foi o Pitanga, que era na minha opinião o que mais entendia de basquete. Ele dizia tira aquela cadeira dali e não tiravam a cadeira. Como ele não queria briga, ninguém o atendia.

A turma do Flamengo passou a dominar. Jogava o time do Flamengo que não era grande coisa. O Flamengo jogava muito com o Kanela mandando. Kanela tinha algumas coisas muito boas, mas ganhava fazendo outras coisas que não deveria fazer. O Zé Luís, de Minas Gerais, entrou muito bem e a turma do Flamengo começou a pressionar.

Um dia no vestiário quase o pau come. Aí o Mário Pereira, que era dirigente da delegação do Brasil, prendeu o Zé Luís no alojamento. Quando Reis Carneiro, que era um homem firme, soube, suspendeu a proibição imposta ao Zé Luís. Nosso rendimento podia ter sido melhor se não fosse a desunião e a omissão do Pitanga diante de determinados fatos".


A partir da perda do tricampeonato em 1950, o Flamengo tomou conta do basquete carioca, chegando ao decacampeonato em 1960. Rui explicou suas razões deste domínio rubro-negro:

Ruy de Freitas: "Acontece que o Flamengo era um time muito bom e se reforçando com jogadores de outros clubes enfraqueceu os adversários. Algodão veio do Aliados, Alfredo, do Vasco, Mário Hermes, de Niterói, e outros.

O time de A.A. Grajaú ainda disputou mais um ano e se desfez. Depois das Olimpíadas de 1952 eu parei e fui ser técnico do Sírio e Libanês. No Sírio, jogavam Ardelim, Gedeão e Roberto.

Na histórica partida de 1955, além da sorte do Flamengo, nós desconfiamos que o cronômetro não correu. Faltavam 7 segundos, o Sírio tinha dois lances livres e o Olivieri perdeu os dois; o Algodão pegou a bola, jogou para o Alfredo no meio da quadra; o Alfredo pegou a bola, bateu devagar, atravessou a quadra, balançou o corpo e deu para o Arthur, que enganchou; a bola não entrou, veio o Guguta, deu um tapa e fez a cesta. Tudo isso faltando 7 segundos. Até hoje fica a interrogação: parou ou não o cronômetro?".


Togo Renan Soares, o Kanela, foi um personagem altamente polêmico no mundo do basquetebol. Algumas pessoas afirmam, que o basquetebol tem um divisor d’água: "antes e depois do Kanela". Ruy deu sua opinião:

Ruy de Freitas: "O Kanela teve sua influência, mas não essa influência toda. Kanela tinha uma coisa de bom: ele tratava seus jogadores a pão-de-ló. Procurava resolver qualquer problema. Mas, também, obteve muitas vitórias com ações não muito legais. Ele desmanchou o basquetebol carioca, com o Flamengo ganhando tudo sempre. Desestimulou os adversários e, também os juízes sempre tinham medo do Kanela, porque ele era bravo.

Taticamente, ficou a mesma coisa. Contra-ataque sempre houve. Só que o Kanela gostava muito do contra-ataque. Ele gostava da correria e tinha o Mário Hermes, cuja altura ninguém tinha naquela época. Além disso, a turma do Flamengo jogava bem".


Aos 85 anos e ainda jogando com os seus companheiros, Ruy de Freitas, elegeu os grandes nomes do basquete brasileiro em todos os tempos:

Ruy de Freitas: "Celso Meier, o General, que jogava no Tijuca; Simões, o Coronel, também do Tijuca; Guilherme, do Botafogo; Wlamir, Pecente e Amauri. Quanto ao Algodão era muito útil à equipe, marcava bem, mas não era um craque. Com relação aos técnicos, destaco o Pitanga, que conversava muito comigo e era professor da Universidade do Brasil. Ele entendia mesmo do negócio.

A maior vitória do Brasil em todos os tempos foi o título do Pan-Americano de 1987, com Oscar, Marcel e outros, porque batemos o time norte-americano lá. Começamos com o "tiro ao pombo", isto é, mandamos bola para o alto e acertamos todas. Foi uma vitória fantástica. Então, passaram a acreditar que jogar a bola para o alto era o certo. Com isso o Brasil não ganha uma desde quando? O Oscar, que tem a mão fantástica, está no Flamengo. Eles arremessam quando devem e quando não devem arremessar. Podem ganhar de um grande time, como podem perder de uma equipe inferior, como aconteceu no próprio Pan-Americano contra o México".


Ruy de Freitas encerrou a entrevista afirmando: "Meu melhor momento foi a conquista da Medalha de Bronze na Olimpíada de Londres. Com todas as dificuldades chegamos ao pódio. Nunca tive uma grande decepção. Para os jogadores de hoje digo que eles devem ter mais calma. O esporte é uma brincadeira. Tenho visto violência dentro e fora da quadra. Perder e ganhar é do esporte, não levem isso a ponta de faca".

 
Nascido em 24 de agosto de 1916. Além de jogador de basquete, Ruy de Freitas defendeu à equipe de voleibol do Fluminense. No dia 2 de agosto de 2012, aos 95 anos e faltando semanas para completar 96, Ruy foi convocado para a "seleção do céu". Um homem cuja paixão pelo basquete inspirou várias gerações.


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